O cu ao portão

Dizer que o portão do Nacho ficou uma obra-prima é forçar um tanto a barra para as coisas de comum uso, que estão sempre se abrindo e fechando com algum fim utilitário, como é o caso da família dos portões, porteiras, portas e a janelas.

Mas o portão que o mano caçula idealizou não deixa de chamar atenção ao passante habitual, ou meramente circunstancial: é grande, como grandes são os portões de garagem, fechadas ou a céu aberto. No fundo, no fundo é uma longa e larga folha de metal, corrediça que, além de permitir a passagem de automóveis, tem inserida em seu corpo uma portinhola para a utilização mais pedestre, que é a mais frequente.

Agora se lhes digo que é dum azul claro, celestial, quase diáfano não lhes minto. E mais, se nos atentarmos aos adereços que lhe dão a feição dum submarino tampouco lhe falto com a verdade - que anda tão rara e vilipendiada nestes dias em que os radicalismos primários - ou primatários... - vem dominando tudo quanto é discussão. Mas não é uma discussão isso aqui. É uma ditadura simplesmente: e do azul, e pronto.

O portão, que há uns dois anos substitui um antepassado seu, verde, e sisudão, tornou-se uma referência, sobretudo em comentários de entregadores e mecânicos, aos quais basta a citação para se localizarem.

Tia Maria, a Tilia, que viveu mais de noventa anos, e a metade desse tempo como nossa vinha de muro - e portão - emérita caçoadora no âmbito familiar, e até um pouco mais além, embora falecida há coisa de dez anos, não teria deixado de assinalar que o portão do Nacho ..." ficou uma obra..." E não o faria para criticar, tão-somente, era sua forma de interação conosco, e não-raro, economicamente elogiosa. Das meninas, as manas, por exemplo, fosse para um vestido novo, ou uns cabelos cacheados a papelotes, teria usado a expressão "...ficou uma marmota..."

E, invariavemente com uma guloseima - um bombom Garoto, ou uma barrinha do Prestígio, adoçaria qualquer eventual amuo. Eventual ou conveniente mesmo...

E não é que dia desses ao chegar à casa de mamãe surpreendo-me com um bem grafado C U, pequeninho, bem rubro, é bom que se o frise, mas imediatamente visível, na metade superior da obra prima-inter pares do mano caçula - caçula e quase sessentão... A vontade imediata é de proferir um palavrão, rogar uma praga, ou qualquer cousa semelhante.

Mas uma observação mais detida, e até digitalizada, mostra-me que a tintura é removível, e teria sido feita com lápis crayon, ou coisa ainda mais intrigante, batom...Curioso, o que pinta os lábios, servindo também a tal manifestação extrema...

Outro detalhe, revelador, a meu ver: não tem acento, evidenciando a atualização ortográfica do/da perpetrador/a do ato. E ainda: a grafia é harmoniosa e dá mostra de que a intenção não tenha sido tão puramente de agredir, ou de cometer uma molecagem. E um moleque, moleque mesmo, não usa batom. Vittar, que incorpora os sonhos pro-libidos e proibidos de não poucos admiradores, mora longe - ainda que não deixe de inspirar...

Passamos a uma perícia...? Mas qual a garantia? A que o então Presidente Michel Temer mandou fazer sobre as gravações de Joesley terminou - se alguém nela creu - convenientemente inconclusiva...

Teremos que manter isso, companheiro...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/04/2019
Reeditado em 01/04/2019
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