o novo surto da intolerância

(texto originalmente publicado em junho de 2016)

Já vivemos na Terra momentos de desbragada intolerância, esta muitas vezes a serviço de cruéis autoritarismos. Lembremo-nos da inquisição que queimava seus opositores na idade média, as limpezas étnicas na Europa nazista e em países como a África do Sul, Nigéria, Ruanda e ex-Iugoslávia, o macarthismo anticomunista nos EUA, as guerras entre torcidas de futebol na Inglaterra e em outros cantos do mundo, até no Brasil, e, nos dias atuais, os fundamentalismos que segregam gênero, crença, nação, que só fazem alastrar-se.

E muitos outros tristes exemplos em que ignorância e instintos de violência fazem sucumbir a razão e a compreensão. Sem dúvida, situações cuja explicação está no campo da psicologia e da sociologia. Embora nos denominemos seres racionais e sociais, ainda resta muito em nós, humanos, de inconscientes instintos animais que nos fazem agressivos defensores de um território que pode ser desde o espaço físico da moradia, do trabalho, do bairro, cidade ou país até o território imaterial no campo das ideias, convicções ou o time de futebol preferido.

A decisão do Reino Unido de retirar-se da União Europeia parece ser a mais recente demonstração deste novo surto de intolerância que assola a humanidade. A União Europeia surgiu do esforço de integração após a lição das duas grandes guerras que destroçaram a Europa no Século XX. E não é de espantar que seja justamente o Reino Unido, a outrora maior potência colonizadora e opressora do planeta, o país a iniciar a desagregação desse imenso esforço de reconstrução e concórdia. Mas é preciso reparar que o plebiscito que decidiu a saída do Reino Unido foi decidido por maioria muito apertada. Os mais idosos votaram maciçamente pela saída, levados sobretudo pela xenofobia. Contrariando a vontade dos mais jovens, que votaram pela permanência do país na comunidade. Jovens que se revoltam com o resultado, que parece lhes tolher a possibilidade de ter mais liberdade de escolher onde trabalhar, onde viver, onde encontrar amigos e cônjuges...

No Brasil, o surto de intolerância também é bem visível, e não só nas tradicionais guerras de torcidas. Não é por acaso que se produz no país um orquestrado esforço de convencimento do cidadão comum do que é certo (o bem) e o que é errado (o mal) e de cultivar a raiva, o ódio, àquilo que é rotulado como “o mal”. Nunca antes presenciei tantas pessoas, sejam desconhecidos na rua, sejam colegas de trabalho, sejam alunos, sejam amigos, sejam protagonistas de notícias, a manifestar irracionais reações agressivas perante diferenças que divergem do consenso implacavelmente construído pelo massacre midiático que vivemos no país.

Este é um ponto crítico, que deve nos fazer refletir. Ao longo da História, os agudos surtos de intolerância sempre resultaram de manipulações de autoritários e inescrupulosos poderes hegemônicos, que assim se faziam impor aos povos e nações conquistados. É a aplicação da velha máxima “dividir para governar”, cujos mestres maiores foram os britânicos, que a empregaram por séculos em suas colônias pelo mundo.

Aqui no Brasil também estamos sendo vítimas de uma perversa e modernizada estratégia de divisão interna. Parece que ainda não acordamos para o fato que existe um astuto e obstinado protagonista externo, que manipula mercenários aliados internos, e que está bem feliz com sua eficácia em promover nossa ruína interna. E conta com esse nosso embotamento de ideias e o crescimento de nossa intolerância para prosperar e disseminar sua hegemonia sobre o planeta.

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2016/