VEIO A NOITE.

De repente se fez noite.

O véu escuro abraçou o dia com seus longos braços, envolveu-o sorrateiramente, o sol ocultou-se por detrás da colina recolhendo os seus fulgurantes raios, enquanto os seres da noite aos poucos despertavam.

De repente se fez noite.

E com a noite veio as estrelas, cintilando nas alturas celestiais, correndo de um lado a outro, parecendo crianças a brincarem. Umas menores, outras maiores, contudo, todas vestidas de igual candura, é um jardim de pequenas luzes no céu.

O teu olhar triste,

No horizonte perdido,

Na agonia persiste,

Entendimento mal entendido.

De repente se fez noite.

E junto das estrelas surge ela, sim, ela mesma, a dama da noite, cheia de majestade e esplendor, é fim de Março. Dizem que a lua é a amante dos poetas, se verdade for, eis que no céu, vestida de luz, ela desfila como uma modelo a fim de encantá-los.

De repente se fez noite.

Os mais estranhos habitantes surgem também, uns silenciosos e quietos, observadores anônimos, e de igual modo sendo observados. Outros mais - nem tão silenciosos - explodem em barulho escuridão afora, correm assustados, outros parecem eufóricos, loucos, são todos insanos, e para eles nada mais importa do que celebrar o silêncio e a escuridão.

Como o vinho é o amor,

Criado de uma mesma inspiração,

De um excelente sabor,

Degustado com paixão.

De repente se fez noite.

Sou um observador, este pássaro silencioso, fiscal da noite, quieto em meu ninho. Surge uma nota musical em meu pensamento, um assobio melancólico e cheio de dor. Vislumbro na tela do pensamento uma nota triste, de um poema esquecido. E tudo novamente se faz silêncio, e tudo novamente se faz um caos que espanta o silêncio.

De repente se fez noite.

O dia não foi lá grande coisa, de altos e baixos. Espero, no entanto, que a noite seja compensadora, amorosa, generosa e até mesmo; misteriosa. Procurei novamente o luar, e não o achei... Seria ilusão do olhar deste poeta?

Meu coração bate apertado,

Querendo romper o peito,

Um escravo acorrentado,

Sem gozar de nenhum direito.

De repente se fez noite.

O calor intenso durante o dia deixou a noite quente, e uma noite quente deixa o coração fervilhando. As lembranças queimam ainda mais, chegam a flagelar a alma inquieta.

De repente se fez noite.

Já não sei mais o que dizer, sou um poeta vazio, triste, solitário, inquieto, e tudo mais que se puder imaginar. A noite avança em seu curso silencioso, cavalgando nos ponteiros do relógio rumo a madrugada, enquanto este poeta, este mísero poeta, é apenas um produto da noite.

Em súbito instante o teu olhar,

Pousou em meu pensamento,

Revelou desejo de te amar,

Neste meu desatinado contentamento.

De repente se fez noite.

E cá estou, à beira da cama, à luz do abajur, fitando a janela aberta. Então começo a ler, 'O mundo de Sófia', me perco nas palavras do filósofo, sou eu Sófia em seu mundo enigmático. Esqueço do dia que se passou, de suas mazelas, de tudo, e o meu mundo é o mundo de Sofia enquanto o sono não vem.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 31/03/2019
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