anatomia da crise

(texto originalmente escrito em maio de 2016).

Nunca se ouviu falar tanto de crise no Brasil. Talvez só na Alemanha nazista tenha sido tão colocado em prática o princípio de que uma inverdade incansavelmente repetida passa a ser percebida como uma verdade. Falava-se na crise do governo Dilma, agora fala-se no governo interino que vai tirar o país da crise. Será?

O governo interino já vai mostrando a que veio: mudanças na aposentadoria, arrochando os direitos dos trabalhadores; aumento de impostos; desvinculação de orçamentos, ou seja, diminuição das verbas, para saúde, educação, moradia e outros setores básicos; o ato falho, depois remediado, de extinguir o Ministério da Cultura (acabar com a educação e a cultura é o caminho para manter as massas ignorantes e manipuláveis); a indicação de um ministro expoente do governo interino que é flagrado afirmando que é preciso acabar com as investigações contra a corrupção, e que diante das câmeras nega descaradamente suas afirmações; as declarações de intenção de privatização de setores estratégicos que, pelo menos em parte, ainda resistem estatais, como educação, saneamento, energia e petróleo; as afirmações sobre mudança de leis trabalhistas em prejuízo dos trabalhadores... Até onde vai esta lista de deslealdades com o país e seu povo?

E o pior, o governo interino age de uma forma que não lhe cabe outra expressão que não golpe, ou, como dizem alguns, um monumental retrocesso. Alguns não querem que a palavra “golpe” seja utilizada. Mas como é possível que um vice-presidente que foi eleito com um programa de governo, ao ser alçado interinamente à presidência passa a praticar o programa de governo da ala que perdeu as eleições? Onde está o caráter desse vice-presidente, e de todos que o apóiam, ao contrariar o resultado das eleições aproveitando-se de um momento de governo interino que poderá deixar de existir em algumas semanas?

E o que está por trás do golpe? Historiadores já têm insistido que o Brasil, país que por mais tempo manteve o regime escravocrata, ainda não conseguiu emergir do abismo social entre casa grande e senzala. A maior parte de nossas elites econômicas, sociais e culturais comporta-se como senhores de engenho que consideram o país sua propriedade, e não abrem mão do “direito” de explorar e oprimir aqueles que consideram pertencentes à senzala, ou seja, o povo. São elites atrasadas, que ainda não perceberam que as sociedades mais equitativas têm menos conflitos, menos crimes, mais harmonia e qualidade de vida, e nelas todos saem beneficiados.

E a propalada crise? A crise é resultado de uma sabotagem também colossal. A começar pela grande mídia, que repete o bordão crise a todo instante, que manipula informações em favor de uma parcialidade assustadora. Não é exagero a expressão “massacre midiático” que se tornou comum nos últimos anos. E a elite econômica faz sua parte. Fiel ao seu apego à casa grande, não deseja ver a ascensão econômica e social da senzala. Não apóia o governo que age em nome dessa ascensão. Boicota investimentos produtivos, promove o desemprego, propicia a inflação e o retrocesso também no crescimento econômico do país.

Criou-se a crise para justificar o golpe. E o golpe, onde nos levará?

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/2016/