Uma certa manhã
Aquele dia acordei com urgência. A lembrança do meu passado recente me enchia de culpa. Com devaneios agonizantes, traçava um destino trágico, onde a vergonha escancararia a fragilidade de um ser senil, no esplendor de sua decrepitude, para o escárnio vigoroso de uma juventude que desconhece compaixão e dona de um instinto antropofágico, que assim com jovens leões que se pretendem machos Alfa, destroem tudo para começarem a sua própria linhagem, roubando dos mais velhos o pouco de dignidade que lhes resta.
Pensei: Não vou deixar que pensamentos sombrios venham degladiar com minha determinação ou se sobejar uma batalha agonística, confiarei no trabalho que batalhas anteriores já fizeram por meus músculos, proporcionando confiança e altivez. Estavam eles novamente convocados para mostrar o seu valor, numa contração de um karateca que espera um golpe na barriga. O caminho para vitória parecia se descortinar à frente. Sei que ao passar a linha de chegada poderia finalmente relaxar como se o orgasmo fosse pleno, perfeito, completo, desligando assim todos os momentos de aflição vivenciados antes da glória de vencer mais um dia. Mas dizem que não damos valor para o que pode vir mais fácil e, apesar de sempre optarmos pela tranquilidade de um caminho, sabemos depois da jornada que o caminho que mais exige nosso espírito guerreiro será responsável por torná-lo um mestre especialista nas artes marciais, dando um valor maior para nossas conquistas. Então mais um obstáculo se interpôs no caminho para o triunfo. A estratégia teria que ser repensada. Uma porta fechada diminuía os horizontes e levava para mais longe as chances de sucesso. O passo ligeiro se transformou em corrida e a vitória ou derrota estavam por um fio. Como se fora um baú de tesouro, abri ávido a tampa. Quase não deu tempo, mas hoje eu consegui. Encostei a cabeça na lajota fria e curti cada milésimo de segundo daquele momento. Cerveja demais à noite e um filho morando no banheiro (aposto que estava vendo algum vídeo) fizeram daquele urinar matinal, um feito epopeico.