Para o notâmbulo
Zequinha
Estamos a dois dias da primavera, e ainda chove muito em Salvador! Neste momento - são cinco da tarde -, o céu da Pituba está cinzento. O mar, que do meu apartamento avisto com absoluta nitidez, praticamente desapareceu. Tudo lembra uma tarde de rigoroso inverno.
Por incrível que possa parecer, faz até um friozinho: 21 graus, me diz meu radinho de pilha. Essa temperatura, para nós soteropolitanos, é uma temperatura alpina! Por causa das baixas temperaturas que rondam Salvador, ainda não dei férias ao meu acolhedor edredon.
Da minha janela, pendurada no quinto andar do meu prédio, vejo muita gente passando, devidamente agasalhada. E tenho dó daqueles que transitam por aqui sem uma capinha de chuva, sem uma sombrinha, um guarda-chuva, sem uma galocha.
É o caso do Zequinha. Ele mora ali, no chão da esquina. Seu dormitório é a marquise do prédio que fica quase em frente ao meu. Ali pernoita com a aquiescência do vigia.
A noite molhada avança, e lá vai ele procurando livrar-se da chuva, que se anuncia torrencial.
Conheço o Zequinha, faz um bom tempo.Tornou-se meu amigo. Carrego sempre uma moedinha para lhe dar. Agradecendo a modesta ajuda, ele pede a Oxalá que não esqueça de me abençoar.
Nas minhas ingratas noites de insônia, vejo-o, madrugada alta, andando pra lá e pra cá; como se fosse o guarda-noturno de minha rua. Ele é nada mais que um noctâmbulo.
Quando me descobre na minha varanda, me dá um solene boa-noite sem saber que já podia me desejar um bom-dia. Passa fumando seu cigarrinho, e assobiando o Deixa a vida me levar, música do etílico Zeca Pagodinho.
Só que a vida, madrasta para ele, leva-o por caminhos penosos; sem lhe dar um rumo certo. Apesar dos reveses que o perseguem, ele está sempre sorrindo. E não sorrir o sorriso dos loucos; dos alienados. Parece que aprendeu a conviver com a sua verdade... com a sua realidade... com a sua adversidade...
Às vezes fico a pensar, até quando irei acompanhá-lo no seu vaivém noturno, procurando não sei o quê. De repente, o perderei de vista. para sempre. Como aconteceu com outros notâmbulos que conheci, quando saía em alegres pereginações, madrugada adentro, pelos bares e boates de uma Salvador sem crimes. Lá pelo meio do século passado...
Zequinha
Estamos a dois dias da primavera, e ainda chove muito em Salvador! Neste momento - são cinco da tarde -, o céu da Pituba está cinzento. O mar, que do meu apartamento avisto com absoluta nitidez, praticamente desapareceu. Tudo lembra uma tarde de rigoroso inverno.
Por incrível que possa parecer, faz até um friozinho: 21 graus, me diz meu radinho de pilha. Essa temperatura, para nós soteropolitanos, é uma temperatura alpina! Por causa das baixas temperaturas que rondam Salvador, ainda não dei férias ao meu acolhedor edredon.
Da minha janela, pendurada no quinto andar do meu prédio, vejo muita gente passando, devidamente agasalhada. E tenho dó daqueles que transitam por aqui sem uma capinha de chuva, sem uma sombrinha, um guarda-chuva, sem uma galocha.
É o caso do Zequinha. Ele mora ali, no chão da esquina. Seu dormitório é a marquise do prédio que fica quase em frente ao meu. Ali pernoita com a aquiescência do vigia.
A noite molhada avança, e lá vai ele procurando livrar-se da chuva, que se anuncia torrencial.
Conheço o Zequinha, faz um bom tempo.Tornou-se meu amigo. Carrego sempre uma moedinha para lhe dar. Agradecendo a modesta ajuda, ele pede a Oxalá que não esqueça de me abençoar.
Nas minhas ingratas noites de insônia, vejo-o, madrugada alta, andando pra lá e pra cá; como se fosse o guarda-noturno de minha rua. Ele é nada mais que um noctâmbulo.
Quando me descobre na minha varanda, me dá um solene boa-noite sem saber que já podia me desejar um bom-dia. Passa fumando seu cigarrinho, e assobiando o Deixa a vida me levar, música do etílico Zeca Pagodinho.
Só que a vida, madrasta para ele, leva-o por caminhos penosos; sem lhe dar um rumo certo. Apesar dos reveses que o perseguem, ele está sempre sorrindo. E não sorrir o sorriso dos loucos; dos alienados. Parece que aprendeu a conviver com a sua verdade... com a sua realidade... com a sua adversidade...
Às vezes fico a pensar, até quando irei acompanhá-lo no seu vaivém noturno, procurando não sei o quê. De repente, o perderei de vista. para sempre. Como aconteceu com outros notâmbulos que conheci, quando saía em alegres pereginações, madrugada adentro, pelos bares e boates de uma Salvador sem crimes. Lá pelo meio do século passado...