O galo e a cidade
Desde há muito tempo, quando as metrópoles eram cidades tímidas, onde sítios e fazendas desafiavam os limites urbanos, era comum ter galinheiro no quintal em meio a hortas e pomares. As cidades cresceram em ritmo acelerado reclamando para si o espaço dos campos verdes ao redor.
Extemporaneamente é inusitado constatar que, vez em quando, galinheiros podem ser vistos resistindo ao tempo e à “modernidade” urbana. Assim, surpreende os transeuntes que passam pela Avenida central, um galo anunciando o dia que começa, por traz dos muros de certa casa por ali.
Dia como sempre, como tantos outros de rotina estática, dia que impõe o desejo de novidades no já bem crescido galo...Ah sim ! dia em São Paulo.
Esquecido pelo tempo, num espaço de pouco horizonte, naquele dia, com as cristas imponentes apontadas para o céu claro, o galo cacarejou e mais uma vez anunciou a alvorada. Ao longe ouvia o ruído de Boeings e Airbus em rota de aproximação com a pista do aeroporto. Contido em um quintal cercado de quaresmeiras, amoreiras e unhas de gato, o muro alto limitava ao penoso a visão do mundo lá fora. Confinado entre prédios, o quintal resistiu ao tempo e desprezou o avassalador progresso lá fora. A cidade cresceu como a massa de pão que descansa e viu suas entranhas expandir em asfalto e concreto.
Que dia !! Despertou com elegância espichando as plumas e se exibindo a uma platéia composta por meia dúzia de galinhas, ciscou o chão enquanto mirava o muro ao redor. Além do muro, alheio a este universo tímido, lá fora a cidade acontecia, a correria do dia a dia já ia longe quando o sol mal atingira seu primeiro quadrante. A cidade em seu ritmo frenético transforma o tempo presente em pretérito, tão rápido quanto à propagação da luz, e segue apressada em direção ao tempo a ser criado. Um “admirável mundo novo” como aquele de Aldous Huxley se impõe, sedento por novidades o novo se torna arcaico por imposição do futuro.
Do poleiro improvisado em meio a caixotes velhos, sob o pé de amora no quintal, cercado por torres modernas e envidraçadas que inundam a cidade, a cena de um galinheiro em meio à metrópole contraria a ditadura do tempo.
Quanto ao espaço, uma grandeza sem medida, parece não ter lógica limitar o mundo a míseros metros quadrados quando o universo se revela infinito. O muro, invadido por unhas de gato, impõe ao penoso à exata dimensão do horizonte determinado pela rotina. Alem de ciscar em busca de petiscos e se exibir para as parceiras de pena, cacareja com a precisão de um relógio suíço, sempre na mesma hora e volta ao mesmo poleiro no fim do dia, a vida é limitada nesse pequeno quintal.
Imponente, com penas brilhantes ao sol da manhã, o galo mirou o muro e sem pestanejar ensaiou bater asas, que lhe sirva de inspiração os pássaros de prata rasgando o céu, indo e vindo de tão distante quanto é possível, em uma linha côncava que avança por sobre o horizonte. Sem aptidão para o voo, pois assim é a sua natureza, o galo pulou de galho em galho até alcançar o alto do muro, de lá se espantou com a ácida paisagem que se revelara lá fora. Ir em diante ou retroceder, eis a questão!
Gladyston Costa