COURO DE GATO

Muitos anos atrás, eu e meus amigos, Homero, Adelino e Anésio, morávamos numa velha (e ainda hoje existente) pensão no Bixiga, na velha São Paulo ainda da garoa. O nosso quarto abria uma porta para uma sacada, no segundo andar, voltada para a rua Condessa de São Joaquim.

Uma noite, alta madrugada, acordamos com o barulho na rua e o nosso amigo Homero, que gostava de compor e cantar, debruçado na sacada morrendo de rir e cantando: “Aquela gata que passava por aqui / Aquela gata não é mais gata / Hoje é tamborim”. Algumas moças – digamos, de vida livre – passavam pela rua fazendo um grande estardalhaço, ao chutar latas de lixo e falar e gritar.

Corta. São Paulo atual. Meu neto, Lucas, ganhou uma gatinha. Não sou muito amigo de gatos (até bem mais do que de cachorros que, positivamente, não são meus amigos e eu nunca sou amigo deles). Bem, o fato é que a gatinha é graciosa. Ainda novinha. Para brincar com ele, que é muito sapeca, do alto de seus quase cinco anos, toda vez que ia à casa dele, cantava a musiquinha do meu amigo Homero, que nunca me saiu da memória: “Aquela gata que passava por aqui / Aquela gata não é mais gata / Hoje é tamborim”. E dávamos ambos muitas risadas. Só não esperava que ele aprendesse a música e passasse a cantá-la o dia todo para a inocente da gatinha. Isso atiçou minha curiosidade.

Existe mesmo essa música ou foi invenção do meu amigo Homero, tão cheio de graça e tão inventivo? Fui atrás e achei a música “Couro de gato”, de Grande Otelo, Rubens Silva e Popó. Havia apenas uma adaptação de sexo: o gato passara a gata, na versão que eu conhecia através do Homero. E foi essa a versão que mandei ao Lucas, e ele se divertiu muito com música.

Lembremo-nos que, à época, não havia o conceito do politicamente correto, que é bastante recente e, às vezes, um tanto irritante e limitador. Necessário, no entanto, para que não se cometam barbaridades como já se cometeram, tanto na literatura (leia-se Monteiro Lobato), quanto na música (lembram da marchinha “nega do cabelo duro”?) e em tantas outras manifestações. De qualquer modo, pertencem ao passado e, se dermos o devido desconto, podemos até nos divertir com isso. Como o Lucas se divertiu, na sua inocência dos cinco anos, com a música da gata, ou melhor, do gato:

Aquele gato,

Que não me deixava dormir,

Aquele gato,

Agora me faz sorrir,

Às vezes saía bem da minha pedrada,

Pulava e dava risada,

Fugia, zombando de mim,

Aquele gato, não é mais gato,

Hoje é tamborim...

(refrão)

Paciência,

A vida é mesmo assim,

Fala, couro de gato,

Fala, meu tamborim...

Música no youtube:

https://www.youtube.com/watch?v=3_YHvzT7ljo

Trapiche de versos e afins:

https://trapichedeversoseafins.blogspot.com/search/label/cr%C3%B4nica%20-%20couro%20de%20gato