Obtusidade
Não sei não senhor! Não me importo com isso a que chamam felicidade. Dizem por aí que o Brasil chegou a ser feliz durante um tempo. Sinto-me idiota quando ouço isso. Não sei não senhor! Se houve realmente esse tempo eu estava ocupado demais dentro de um uniforme de fábrica sob uma enorme carga tributária. Desculpem! Mas não pude mesmo me aperceber desse tempo. Permita-me ser sincero de verdade. Não sei não senhor! Minha obtusidade não me permite assimilar essas ciências estapafúrdias que por mais vivo que seja o vivente um dia hão de surpreendê-lo numa curva qualquer da vida. Imagine então um sujeito ensimesmado, de raciocínio curto e ainda por cima iletrado de pai, mãe e padrinhos feito eu. Pois não é que mesmo com essa lentidão de pensar, esse jeito bovino de olhar o mundo, venho percebendo de tempos para cá uma moléstia coletiva que parece estar passando despercebida aos homens da ciência. Pois me parece que está quase todo mundo acometido do mal da obtusidade, essa doença que aflige os ignorantes, naturalmente, mas que não tem poupado a gente dita culta e a pavoneada turminha acadêmica.
Pergunto ao moço da motosserra sob que alegação foi autorizado o corte das árvores e ele me explica que elas se tornaram refúgio de bandidos. Brigado, heim! Ocorre-me a história do marido traído que mete fogo no sofá em que surpreendeu a cena afrontosa. Não temos competência para combater a criminalidade, então vamos acabar com as poucas árvores que nos sobraram na cidade. Quem será o desarvorado que pariu essa ideia de mula? A obtusidade fez ninho debaixo da moleira de um cidadão e achou uma autoridade para abençoar a asneira.
Mas a obtusidade não para por aí não senhor! Dia desses aí para trás, mais precisamente 18 de setembro, durante o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) condenou na esfera administrativa um desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) à aposentadoria compulsória pela acusação de venda de sentenças em plantões judiciários. O moço foi condenado por unanimidade pelo Plenário do CNJ. Com isso, ele fica afastado das funções judiciais, mas — curtam isso — continuará recebendo a remuneração do cargo. Lindo isso! Né não?
Imagine você vivendo num país onde falta saúde, educação e segurança, mas se você é uma autoridade com a atribuição de decidir sobre o rumo da vida dos outros viventes, com um salário de envergonhar quenga de luxo, e mais algumas regalias a que dão o nome de conquistas, e mesmo assim insatisfeito resolve entrar para o mundo do crime, se por um insueto acaso é apanhado com a boca na botija, sua pena é férias. (Relendo o texto risquei o palavrão que estava aqui já que indignação de pobre é improfícua)! De novo minha obtusidade pergunta: que emprego pode ser tão bom que se possa punir o seu detentor com uma folga?
Diante de um caso como esse a desgraça da obtusidade chega a ser uma graça. Fico aqui envesgando os olhos e fingindo incompreensão, já que é uma sorte ser idiota nesse país.
Mudando o assunto de égua pra cacho de bananas, tenho uns amigos que trabalham batendo laje. O leitor sabe o que isso quer dizer? São os caras que trabalham duro, mas que nosso generoso governo ainda não conseguiu inserir na tal formalidade que gera impostos. Os caras levantam de madrugada e vão virar concreto, fazer essa coisa subir rampas precárias, andares e andares, seus braços se tornam musculosos e a musculatura do seu lado direito toma proporções exageradas em relação à do lado esquerdo, porque é o lado destro para o manejo da enxada, da pá e da lata cheia do tal concreto. À tarde vão beber no boteco onde os conheci, ouvir asneiras de sujeitos feito eu que discorro, conforme diz o poeta Jessier Quirino, “de cópula de pernilongo a atracação de navios”. Ainda pagam uma cerveja a troco de eu cantar ao violão a Saudosa Maloca e outras crônicas de Adoniram que retratam a vida dessa gente brasileira que, entra juca e sai manduca, continua no mesmo lodo.