GRAVES EQUÍVOCOS SOBRE RELIGIÃO (3): sobre crer na Bíblia

GRAVES EQUÍVOCOS SOBRE RELIGIÃO (3): sobre crer na Bíblia
Miguel Carqueija

Hoje quero recordar um colega em certa época, já faz tempo, ele aliás já faleceu. Recordo nossa discordância em assunto de religião.
De fato ele se dizia católico, mas pertencia a esse grupo de pessoas que se dizem católicas mas sequer crêem na doutrina, aliás só se referem à Igreja Católica para falar mal dela. É um fenômeno de difícil compreensão, aliás eu não o compreendo. Mas tornemos ao fio da meada.
Um dia, não lembro o que nos levou ao tema, falamos da Bíblia. E quando eu disse que sim, eu acreditava na Bíblia, aconteceu uma coisa que até hoje acho estranha. Ele pareceu espantado, e ironicamente escandalizado que um sujeito que sabia ler e escrever, pudesse crer na Bíblia! Não sei qual seria o fundamento para tão bizarro escândalo, mas um critério que os católicos a meu ver devem utilizar é não aceitarem ficar na defensiva, como se tivessem vergonha de ser católicos.
Achei aquele espanto tão descabido que respondi nesses termos:
“Ué, você não acredita na Bíblia, e quer que eu acredite em horóscopos?”
Sim, porque, pouco tempo antes, ele tentara me convencer que astrologia — crer em signos — era coisa certa, fundamentada.
A minha antanagoge (figura de retórica que consiste em fazer os argumentos se voltarem contra o adversário) funcionou; ele desistiu de discutir e, fazendo um gesto de apaziguamento ou desistência, afastou-se.
Realmente é um absurdo que tanta gente dê ouvidos a superstições ridículas como essa dos horóscopos — que por sinal não leva a nada, não ensina, não edifica, não melhora as pessoas — e por outro lado despreze a Bíblia.
Talvez seja útil explicar melhor em que consiste “crer na Bíblia”. Os católicos não são fundamentalistas como alguns dos nossos irmãos protestantes. Eles só aceitam uma fonte de Revelação, a Bíblia. Nós católicos temos um tripé em que se baseia a nossa Fé: a Sagrada Escritura (a Bíblia), a Sagrada Tradição (que nos trouxe a Bíblia) e o Sagrado Magistério (que interpreta a Bíblia). Como os irmãos protestantes não possuem o Sagrado Magistério eles já se dividiram em 30.000 seitas, enquanto a Igreja Católica permanece una. E a Bíblia afinal em sua maior parte não contém dogmas e muitos assuntos estão abertos à discussão de teólogos e outras pessoas. Existe toda uma ciência de interpretação — a Exegese — que é uma coisa muito séria e digna e que se norteia inclusive por disciplinas científicas como Arqueologia, Linguística, História.
Por não entenderem o sentido elevado de “crer na Bíblia” pessoas de fora muitas vezes nos acusam de coisas que não cremos nem professamos nem ensinamos. Em discussões na internet com ateus, por exemplo, vi que nos acusam de acreditar em “cobra falante”. Acusação tola, é óbvio. O texto do capítulo 3 do livro do Gênesis, que se refere à serpente do Éden que tenta Eva e a induz a cooptar Adão, sem deixar de ser verdadeiro é um texto alegórico, e desde criança eu sei que a serpente é metáfora do demônio. A explicação dessa passagem encntra-se no último livro da Bíblia, o Apocalipse de São João Evangelista, onde no capítulo 12, versículo 9, se lê: “Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro.” Mais claro do que isso!
Na Igreja Católica os fiéis são orientados a melhor compreender a riqueza incomensurável das escrituras. Na edição que eu tenho, da Editora Ave Maria, explica-se a diversidade de gêneros literários que nela se encontra: “fragmentos de epopeia, narrações propriamente históricas, listas genealógicas, narrações episódicas ou romanceadas, oráculos proféticos e sermões, textos legislativos, poemas e orações, ensaios filosóficos, um canto de amor, cartas”.
“Diante de tamanha diversidade de assuntos, mormente se não perdermos de vista a redação desses mesmos documentos, que se estendem por um período de cerca de mil anos, facilmente se pode compreender que não possam ser lidos e interpretados uniformemente. Os antigos hebreus não escreviam como nossos historiadores modernos. Os onze primeiros capítulos do Gênesis, por exemplo,não foram escritos como um curso sobre as origens da humanidade, muito menos ainda como tantas lições de astronomia ou de história natural.” (...) Todos sabem que o poeta não escreve como o cientista e que toma muitas liberdades de linguagem (imagens, comparações, amplificações) que um historiador atual não se permitiria. Ninguém ignora, igualmente, que as tradições populares, em geral imprecisas, sempre embelezaram os heróis e ensombrearam os inimigos. Esse processo literário encontra-se nos mais antigos textos da Bíblia.” (...) Por fim é bem notório como a parábola, a comparação, a anedota, a própria fábula, são sugestivas e apropriadas para ajudar a compreensão de verdades profundas ou abstratas. Os autores inspirados — Jesus em primeiro lugar — não desdenharam utilizar-se desses processos (por exemplo, na história do patriarca Jó, na de Jonas, de Tobias, de Judite, de Ester); desta forma procuraram inculcar mais facilmente no espírito do leitor um ensinamento de caráter religioso.”
Por fim, devemos entender que quem tem a autoridade para interpretar a Bíblia é a Igreja Católica, por ser a fortaleza de Deus na Terra, e não qualquer repórter sensacionalista de revistas de pseudo-ciência.

Rio de Janeiro, 27 de março de 2019.



(imagem do grande pregador Padre José Augusto)