TEREZA

Todos os domingos, dia de feira, as comunidades vizinhas tinham o hábito de reunir-se na sede do município, para comprar ou trocar mercadorias, para passear... Outras, no entanto, para pedir a bênção ao vigário. Mas Tereza... Ahh, esta, vinha sempre para reclamar suas terras, seu gado, suas minas... Mulher de posses, em constante conflito com seus neurônios!

À altura de seus 50 anos, Tereza, vestia-se com jovialidade e elegância. Afinal, para requerer suas posses, dizia ela, a aparência deveria estar impecável! Os cachos, pendiam-lhe pelos ombros, com alguns laços de fita (de um lado e do outro do cabelo), e não abria mão de uma boa maquiagem, vestes limpas e gomadas... Apresentava-se, sempre, zelosa, e com os lábios carmim.

A princípio, calada, entrava de mansinho na loja... Olhava de um lado para o outro, e depois, disparava: cadê aquele cafajeste, aquele 'rabo de cabra'? Gritava a plenos pulmões: pega ladrão... pega ladrão!...

- Vejam, dizia ela, aos berros, abrindo uma suposta

carta, e lendo com voz grave e altaneira:

'Seu' Manoel, moço desleal, ladrão de gado...

Tremendo 'rabo de cabra'; ontem pela manhã,

pulou o cercado de D. Tereza, roubou dois garrotes

e dez ovelhas, e não se dando por satisfeito,

'tardezinha', pulou outra vez o cercado e roubou mais

três novilhos, dois bezerros e uma vaca

amojada... Ladrãozinho 'infiliz'!

- Pode olhar quem quiser, tá tudo escrito aqui e

testemunhado. Meu 'cumpade' Chico, dá prova do

que digo. Também já fui na 'poliça, registrá

quexa'.

- Anda 'minina' (dizia para a atendente da loja), vai

logo chamar aquele 'infiliz', pra gente ter uma

conversa séria e eu poder 'levantar ele pelo gogó'!

(Pobre Tereza, vivia perturbada... Lia apenas o que sua mente desejava ler, e via apenas o que seus olhos maliciosos permitiam ver!)

Quanto mais o tempo passava, mais aumentava sua raiva, e a pobre mulher resmungava, enchendo os cantos da boca de espuma, cuspindo tudo e a todos que estivessem por perto (e naquele instante, já havia no mínimo, meia dúzia de espectadores, acompanhando a cena). Seus olhos expressivos, piscavam numa frequência espantosa enquanto falava (lembrando as frenéticas asas do bailado de um beija-flor).

Com seu comportamento ansioso, gesticulava com os braços, e andava de um lado para o outro (tal qual um bicho selvagem enjaulado), com seus tamancos de madeira, num ruidoso toc... toc... Quase a afundar o piso.

Passado algum tempo, após o lanche das 9:00, retorna à loja, Sr. Manoel.

- Bom dia, Comadre Tereza!

- Bom dia, nada, seu cafajeste, filho da mãe,

ladrãozinho de meia-tigela, seu rabo de cabra

(era sua cara, falar este palavrão rss). 'Tô aqui faz

tempo, pra levar de volta o que é meu, todos os

animais que você roubou do meu cercado' - UM

POR UM - ou mando te prender agora, 'seu cabra

safado', patife.

- Comadre Tereza (dizia Sr. Manoel, 'morrendo de

rir', tentando apaziguar os ânimos), quem roubou seu gado,

foi o Portela. Queixe-se com ele!

- Aquele é outro ladrãozinho safado, mequetrefe...! E assim, a discussão corria solta, por horas a fio.

O tempo passava... Até que Tereza, já cansada, aceitava qualquer proposta do Sr. Manoel, que ora se comprometia em pagar todo o prejuízo com o gado, ora a levaria ao verdadeiro ladrão para que reclamasse sua dívida, ou que ao chegar em casa, ela teria uma grande alegria de ver todos os seus animais de volta, no cercado.

Dando-se por satisfeita, mas muito mais pelo cansaço, 'ia saindo de fininho'.

Às vezes (dependendo da lua), ao sair de um comércio, passava por outros, sempre com o mesmo propósito... Recuperar seu gado roubado, suas glebas de terra...

Quando saía às ruas, era sempre judiada pela 'molecada'. Chamavam-na 'Sabão Queimado' (nunca soube o motivo; talvez por espumar os cantos da boca, enquanto falava), 'Maria Baticum' (por bater freneticamente as pestanas) - alcunhas que a deixava muito... muito irritada, a ponto de jogar pedras (literalmente), na garotada, os quais respondiam com gritos, e às vezes com algumas cutucadas, pelas costas - num tremendo desrespeito. Algumas pessoas presenciavam a cena, mas nada faziam, e tão somente comentavam: 'hoje ela tá atacada... O que um resguardo quebrado não faz?! '

(Assim, Tereza vivia seus dias - pastorando o que não existia, reivindicando o que não tinha, e lendo como queria; melhor, como sua mente doente permitia.)

Porém, certo dia, a mente cansada de Tereza, pregou-lhe uma peça. Final de feira, já passando do meio-dia, ela resolve ir embora nos primeiros carros da feira. Chegando a casa, fatigada e faminta, procura por comida e não encontrando resolve preparar sua refeição, pegando para assar, a 'primeira presa' que viu à sua frente. Enquanto o carvão já estalava em brasas, temperava seu apetitoso alimento: Colocou cebola,

alho, pimenta... Pimenta?! Ahh, nesse instante, os olhinhos irritados do bebê, arderam muito, muito... E o 'coitadindo não pôde conter o choro, e abriu o berreiro: buáaa... Buáaaa...

Por sorte e bênção divina, o marido retorna da roça, a tempo de evitar uma grande tragédia com seu caçula. Sr. Francisco, homem de fé, rendeu graças ao Senhor!

Alguns anos se passaram... Até que um certo dia, para a alegria de alguns, tristezas de outros... E com certeza, para o seu próprio descanso, Tereza não despertou - Sorriu para a morte, que a acolheu em seus braços.

P. S - Hoje, seu filho vive, porém aleijado.

***Que Deus a tenha em sua Paz, pelo merecido descanso!***

( *Figura de minha Terra*)

Aila Brito
Enviado por Aila Brito em 26/03/2019
Reeditado em 09/01/2023
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