O brasileiro é convenientemente solidário?
Outro dia, numa conversa informal com um europeu (que se casou com uma amiga brasileira) ouvi com tristeza a afirmação de que o brasileiro é convenientemente solidário e não solidariamente empático. Como sabia que não dominava com exatidão a língua portuguesa deduzi que não estávamos nos entendendo e que, talvez, não o tivesse entendido. Mas ele insistiu:
- O brasileiro é seletivo na dor e, na maioria das vezes, a sua vontade de ajudar e contribuir tem por trás uma finalidade e justificativa embrionária.
Já estava pouco tolerante e com um sorriso entre os dentes, disfarcei e ia saindo de mansinho quando ele soltou:
- Além disso, o brasileiro não aceita uma crítica em relação à sua conduta e crê ser apenas uma implicância dos países mais desenvolvidos com países em desenvolvimento. Mas não é. Posso afirmar. Pense você: há pessoas que são capazes de movimentar durante dias e noites as redes sociais para levantar uma quantia em dinheiro para colaborar com uma criança com doença grave, mas incapaz de comprar fraldas para uma tia acamada. Pior ainda, não se dispõe a dormir uma noite sequer com sua mãe com Alzheimer.
Fiquei calada, mas atenta. Esperando as conclusões finais do Clement, até que respirou e…
- Você não se sente ofendida não é? É que esta história de "o brasileiro é solidário" só cola aqui e em nenhum lugar mais. É tão incoerente que chega a ser cômico. Quando morre um artista de tv, um político famoso ou um cantor milhões de pessoas viajam horas e dias para a despedida, mas não o fazem, em vida com parentes próximos. São contra a pena de morte, mas quando alguém por quem alimentam o ódio estão à beira dá morte ou um criminoso numa rebelião, festejam com alegria e brindam. É… o Brasil é um filme de faroeste em que o xerife (sozinho) decide quem é o que vale mais. Mas este assunto não agrada brasileiros porque jamais conseguirão compreender que "a louça que você sujou é você quem deve lavar, não os outros".
Não sei o que ele queria dizer ao certo, ele não traduziu, mas sinceramente, vesti a carapuça (naquilo que me coube) e segui em frente...
Depois disso, não mais o vi, mas sempre aparece uma historinha para ilustrar suas palavras. Não que os europeus sejam a imagem mais sensata de solidariedade, mas em alguns aspectos ele tem razão.
-Infelizmente, Clement! Hoje é um dia que concordo com você. Não é sempre, mas hoje é...