FEDOR DE NÊGO

Certo dia, tendo os alunos retornado do recreio, todos se abanavam desesperadamente com o que podia: com as mãos, com as capas dos cadernos e livros e com as camisas, tentando suprir a deficiência funcional dos dois ventiladores da sala. Era um verdadeiro deus-nos-acuda! Tentar fazer qualquer atividade durante os primeiros quinze minutos depois da recreação estava descartado há muito tempo. Era preciso esperar os nervos deles se acalmarem e a temperatura de seus corpinhos baixar consideravelmente.

Um aluno, que estava sentado ao lado de uma coleguinha, abanando-se ligeiramente diz a esta:

— Não fique perto de mim que estou fedendo a nêgo!

Aquelas palavras soaram estranhas aos ouvidos do professor. Este era negro e tinha ficado sem entender o motivo daquelas palavras. Ele parou de escrever e ficou a observar discretamente o aluno que havia dito as estranhas palavras: “fedendo a nêgo”. E pensava consigo mesmo: “O que o odor dele tem a ver com os negros?”.

Como se quisesse obter uma explicação do menino, porém sem saber como agir, o professor percebe que a turma continuou normalmente sua frenética busca pelo esfriamento do corpo, pelo abrandamento do calor produzido durante o recreio. Nada de errado havia lhes chegado aos ouvidos, nada de tão estranho fora dito a ponto de chamar a atenção deles naquele sagrado momento.

O professor, sem conseguir se segurar por mais tempo, pede a atenção de todos e diz ao aluno:

— Repita, por favor, o que disse pra ela.

— Disse pra ela se afastar porque estou fedendo a nêgo – respondeu o menino prontamente e sem ver qualquer mal nessas palavras.

O professor deixa o giz e o livro em sua mesa e começa a andar pela sala, por entre as bancas dos meninos. Pede que todos prestem atenção no que seria dito naquele momento.

— Certo – disse o professor. — Agora me diga: você é negro?

— Não – respondeu prontamente o aluno.

— Diga então qual é a cor de sua pele.

— Branca.

— E porque você, que não é negro, está fedendo a nêgo?

O menino parou um pouquinho e, como quem descobriu repentinamente que se metera num beco sem saída, olhou para o telhado, mexeu com os olhos, botou o dedo na boca e, por fim, deu uma resposta:

— Falo assim porque todo mundo quando está suado e com catinga diz que está fedendo a nêgo. Eu não inventei nada!

Então o professor propôs um exercício bem prático para ver se realmente aquelas palavras tinham razão de ser ou eram falsas e não deveriam ser faladas nunca mais, por quem quer que fosse, naquela sala e fora dela:

— Todos levantem os braços, por favor – orientou.

Todos os meninos e todas as meninas levantaram os braços depois de uma certa resistência, devido às condições odoríficas nas quais se encontravam.

— Agora cheirem bem as suas axilas. Cheirem bastante! – disse o professor, rindo um pouco.

E todos, encostando a ponta do nariz, bem de leve, em suas axilas, logo faziam uma cara feia demonstrando que não estavam gostando nada do que lhes entrava pelas narinas.

O professor vendo aquela cena pergunta novamente:

— Vocês estão cheirosos?

— Nãããão! – respondem eles.

— Vocês todos são negros?

— Nãããão!

— Vocês todos são brancos?

— Nãããão!

— Então não há “fedor de nêgo”. Então a catinga não depende da cor da pessoa. Há, sim, um cheiro desagradável que pode exalar de qualquer pessoa do mundo, em diversas situações de nossas vidas: depois de praticar algum esporte, depois de carregar algum peso ou mesmo se passarmos muito tempo sem tomarmos banho.

— Então ele é racista, professor? – pergunta uma menina sobre o coleguinha.

— Não. Não por isso. Ele, como todos vocês que acharam normal o que ele disse, se acostumou a ouvir essas palavras e então reproduziu de forma natural, sem querer ofender as pessoas negras. Embora essa expressão tenha uma origem racista, o fato de o coleguinha tê-las falado agora, não faz dele um racista. Ser racista vai além disso. Mas nós devemos sempre ter cuidado com tudo o que falamos. Devemos estar certos de que com nossas palavras não estamos agredindo outras pessoas sem sequer nos darmos conta disso.

Agora peguem os cadernos e vamos fazer o dever de casa.

Fabio Ferreira S
Enviado por Fabio Ferreira S em 26/03/2019
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