Dedicatória de grego
Aquela não era a Amélia de verdade. Não nos termos imortalizados nos versos de Mário Lago e Ataulfo Alves, a Amélia paciente, contrita e asceta, que passava fome e ainda achava engraçado não ter o que comer.
Essa Amélia da qual vos falo vivia longe do burburinho do samba, não era anoréxica e nunca me disse “Meu filho, que se há de fazer?” quando me via contrariado. Para ser sincero, ela nunca me viu acabrunhado com apreensões temporais; não porque eu viva no mundo da lua, sem preocupações aparentes nem dívidas a pagar, mas pelo simples e único motivo dos nossos caminhos nunca terem se cruzado. Mas nem de longe essa Amélia é uma figura de linguagem ou uma retórica sentimental.
A existência de Amélia é tão certa quanto o amanhecer do dia a cada manhã. Ela entrou na minha vida pela dedicatória de um livro de poesias de um autor amazonense, cujo nome me dou o direito de não declinar para não ser motivo de crime passional, vez que, pelo escrito na noite de autógrafo, a paixão era forte e o “tesão” mais ainda, porém, pelo andar da carruagem, tudo leva a crer que o romance foi desfeito e a tal musa inspiradora colocou sua preciosa prenda à venda em um balaio na porta de um sebo em Manaus.
Já li tantos livros depois que deixei de ser analfabeto que às vezes confundo as obras do Mestre Picasso com outra coisa e, por esse motivo, meus cinco leitores haverão de me perdoar pelo meu lapso de memória momentâneo: um cronista das minhas preferências juvenis uma vez escreveu sobre um achado nas prateleiras de um sebo. Ele era daqueles que tinham a mania de vasculhar os sebos da sua cidade e em um deles encontrou um livro seu com a dedicatória a um amigo. Comprou o dito cujo e reenviou ao amigo com um bilhetinho preso à capa dizendo compreender a necessidade financeira que o mesmo passou a ponto de precisar vender seu presente e que, por causa disso, arrematava o livro e devolvia ao seu legítimo dono. Ou coisa mais ou menos assim e que já faz tantos anos que li essa crônica que me admiro de ainda me lembrar da história.
Edna, a minha cara-metade que jamais venderia um livro a um sebo, com ou sem dedicatória, foi quem trouxe o livro de Manaus e a especulação devida sobre os motivos da Amélia ter se desfeito de tão preciosa prenda. Será que ela se zangou pelo “tesão” explícito da dedicatória porque ela era uma mulher comprometida e não podia se expor numa vitrine qualquer ou simplesmente o tal tesão dispersou-se nas águas escuras do Rio Negro?
Pelo sim, pelo não, Amélia deve ter gostado da dedicatória, mesmo sendo ela uma convicta evangélica, dessas que não depilam as pernas e só fazem sexo apenas para procriar, tal qual escrito nas Sagradas Escrituras. Mas, cutucando a vaidade feminina com vara curta, qual mulher não gosta de se achar um tesão ante o olhar masculino, ainda mais na terra em que o boto impera e reina nas mil e umas noites?
Por outro lado, como o autor escreveu “tesão” com “z”, e somente Tânia, Tereza, Tiana, Tainá ou qualquer outra principiada com “tê” poderão ser “Tezão”, Amélia pode ter se desgostado com o erro crasso de Português logo na única página em branco dedicada a ela e temeu encarar o que estava por vir entre as páginas mal traçadas daquele livro. Como toda mulher de caráter, decidiu que não leu e não gostou daquele livro e deu uma destinação nada honrosa àquele que não soube discernir entre um “tê” grande e os tais desejos sexuais.
O livro, tecendo loas às frutas amazonenses, não frutificou no relacionamento amoroso entre o poeta e a musa que não tem nome de fruta e que, talvez por esse motivo, deixou de ser desfrutável.
Apesar do imenso rio margeando a cidade de Manaus, já dizia a minha avó: quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré.