Comentários aos delírios de um escritor em lua de mel por diabo realista

Sigo deitado sobre este divã a buscando respostas da minha vida terrena. De tudo que fiz até este momento, uma certeza tenho: Fiz a melhor opção. A aliança é uma decisão muito séria. Não dá para “brincar de casinha” na vida real. Por isso, escolhi a eleição a partir de você. São inúmeras as suas qualidades. Tenho uma sustentação formidável. Apesar de tomar todas as minhas ideias, ou alimentá-las (não sei ao certo) a minha realização é plena. Quando sou invadida por você, nem mesmo àquelas relações sexuais mais selvagens que experimentei na adolescência, de extremo prazer, me dão tanto gozo. Esse deleite existencial provocado por você, ESCRITA, não tem valor oneroso no mundo que quite.
 
(Não tem o que fazer esse escritor. Nunca me daria o luxo de ficar na ociosidade. Escritor é sempre muito devagar. Até para pensar. E ainda diz que é um casamento perfeito o dele e da escrita. Pés no chão eles nunca têm. O relacionamento conjugal não é tão simples assim como um jogo de damas, onde sempre há um ganhador e um perdedor, mas que pode se superado a cada partida. E dizer que esta a tal paixão pela escrita seja superada pelo prazer de um sexo perfeito. Deve estar enlouquecido este escritor. Ou virou “boiola”. Está sensível demais para o meu gosto).
 
Quando as minhas frases invadirem os outdoors de todas as cidades do mundo a enfocar a presença da sensibilidade e beleza das pessoas em alto estilo.
 
(Só se for invasão de privacidade. Quem é que perde tempo lendo o que está escrito no outdoor? As frases têm fontes tão pequenas que nem usando um microscópio seria tão simples assim. A imagem fala muito mais que a mensagem).
 
Quando os meus pensamentos forem fontes de inspiração para a arte em todos os seus ramos e sob todas as óticas.
 
(Só se for manancial. Em que corre a água sobre as colunas e logo depois se depreende como a enxurrada e nunca volta por que não tem sistema interno de retorno.)
 
Quando as manchetes que ilustram a capa de um jornal trouxerem artigos em cujos rótulos estejam a minha assinatura.
 
(Só se for nas páginas policiais. Onde os criminosos aparecem. E olha que não será só seu nome. Aparecerá também a sua fotografia.)
 
Quando os meus poemas forem lidos em recitais que enfoquem a ternura de um texto com tranquilidade.
 
(Só se for em funerais. As pessoas preferem ouvir o noticiário que fala a verdade do que estes textos utópicos e sem nexo. Não se entende nada de uma poesia. Somente quem escreve sabe o que queria dizer.)
 
Quando as letras de minhas músicas forem escolhidas entre tantas para a gravação de cd´s e dvd´s dos artistas que compõem o cenário nacional e mundial.
 
(Só se for de graça. Esqueceu-se que neste mundo de Meu Deus ninguém liga pra direitos autorais. Francamente. Quem tem maior posse é dono do escrito. E tenta brigar na justiça para ver. O que tiver a boca maior engole o outro.)
 
Quando publicar o meu primeiro livro.
 
(Só se for por conta própria. Vai pagar para ver os livros nas bancas e depois compra-los para distribuir entre os familiares. O custo de um livro é muito alto. Pouquíssimas pessoas perdem tempo comprando exemplares de livros.)
 
Quando ficar famoso e for convidado para apresentar as minhas obras em todo o mundo. Sair com as malas lotadas de sonhos e pescar a cada nova parada numa realidade diferente uma nova espécie de escrito.
 
(Só se for entre os garis. Eles trabalham com reciclagem de papel. Será uma oportunidade e tanta de ganhos futuros.)
 
Meu Deus! Sonhei alto demais. Preciso descer. A escrita é um dom espirituoso. Uma dádiva. Mas não posso me elevar tanto porque senão caso ocorra um tombo, as conseqüências podem ser proporcionais. Melhor voltar ao trabalho. O ofício me convoca para a realidade.
 
(Só se for do espírito maligno. Afinal, uma atividade mal remunerada, que não tem valor diante da maioria dos homens, que é economicamente onerosa, atrativa só para alguns no seu teor, que é alimentada pelo hábito e que ainda assim conta com a perseverança de muitos que considero utópicos, sem brincadeira nenhuma, deve ser um tormento. Devo ou não trazer os escritores para o inferno? Bom! Uma garantia daria a este escritores: “Nunca vão lhes faltar uma chama e sempre estarão aquecidos...”)
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 25/03/2019
Reeditado em 17/05/2019
Código do texto: T6607019
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