Copenhague Zero Grau - Tempestade em teto de zinco
Plástica brasiliense. Espaços imensos, largas estradas, verdes e brancos, gramados e viadutos, edifício nenhum pra impedir a vista. Lua pela metade, o céu careca, sem nuvem nem nada. A irresistível Copenhague está por perto, as autoestradas se iluminam, os entroncamentos para os subúrbios se repetem cada vez mais frequentemente.
O mundo é grande, maior que Minas. O medo não se afasta, pousou lá dentro, coração não cabe. Voltar pra Minas assusta qualquer um, homens, mulheres crianças. Em Minas, o tempo não passa, as fortunas não se acabam, os casamentos ainda são para sempre, os casos são sempre os mesmos e as abelhas fazem casa em tijolos de rapaduras no balcão das vendas da infância.
Se pudesse Joatão não voltava. Verdade é que carrega Minas dentro dele – e como Minas pesa: tem procissão, tem virgens desconsoladas, tem andores, crucificações e pregações, trezenas a Santo Antônio, minério no fio do bigode e dinheiro escondido no colchão de palha. Saiu de Minas, mas Minas não saiu dele. A Dinamarca e seus olhos azuis, cabelos claros, carnes brancas, mulheres práticas de canelas cabeludas, tudo é um mundo que explode contra a Minas que permaneceu dentro dele. Estrondos, pororocas, rugidos, feras, barulhos de sete quedas: tempestade em folha de zinco.
O carro roda, Roskilde ficou pra trás, logo Hedehusene, Taastrup em seguida, Copenhague se aproxima, os sinais de trânsito se sucedem. O tempo, apesar de todo medo e ansiedade, há de passar, Joatão há de cruzar, de volta, lugares tantos, como a Capital, de que tanto gosta, a Zelândia a Jutlândia caipira, o estreito de Oeresund, caminho à Suécia... Porém, um dia há de botar os pés em Minas de novo, tem certeza de que vai voltar. Com medo das comadres, das mulheres que agarram moço de futuro, das conversas na pracinha da Matriz, dos fuxicos no salão do barbeiro. Mas volta.
Árvore riscada também cresce, mas incorpora a cicatriz.
(Copenhague, Dinamarca, 16/07/1979)