[10h50 - Corações de cachorro]
Ah, estes dias que correm sem onde, sem nexo... vou vivendo, vivendo sem saber o que fazer com os dias que me restam sobre a Terra...
Por isto, como forma de alívio, eu escrevo... Sendo totalmente incapaz de pintar, ou desenhar, eu escrevo, para ninguém, essas crônicas dos fatos e imagens que os meus sentidos capturam.
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E agora, uma reflexão a que me levou o conto de Mikhail Bulgákov — "Um coração de cachorro". Narrativa espantosa, de lances rápidos, de tirar o fôlego! Voei pelas 101 paginas do conto de Bulgákov! Há nesse conto, uma crítica, uma fina ironia acerca da revolução russa dos bolcheviques... Mas este aspecto não me interessou tanto..
Conforme a história, ficou evidente o fracasso do fantástico experimento de, por meio uma cirurgia, transformar um cachorro em um ser humano — realizou-se a troca da hipófise do cão pela de um humano, morto 4 horas antes, com uma facada no coração, e levado às pressas, ao consultório do Dr. Filipp Filíppovich.
O resultado do experimento foi um homúnculo espantoso... Um humano com coração de cachorro... que, mesmo transformado, não se livrou do atávico costume de perseguir gatos... E também herdou os vícios do humano doador — alcolismo, canalhice, gatunagem...
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Ah, e estes nossos loucamente acelerados dias... O que eu pensei — Certamente, não por meio de uma louca cirurgia fictícia como a narrada por Bulgákov, algumas pessoas, cada vez mais, num evidente exagero, tentam antropoformizar os seus cães!
Mas estes, por mais simpáticos, carinhosos que sejam, serão sempre adoráveis cachorros... Mas, por sorte, com coração de cachorro!
Ah, a Natureza não permite tais loucuras... cada animal no seu reino!
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[Desterro, 24-3-19 - 10h50]