EU TE VEJO

Ela é Maria da Silva, brasileira, sofredora, como tantas outra Marias. Seu marido Onofre saiu de casa quando nasceu Maria Clara, de cor parda, mistura do negro da mãe com o branco do pai. Maria Clara veio depois dos gêmeos, que já estavam com cinco anos. A vida, que já não era fácil para Maria, tornou-se mais complicada ainda. O barraco de madeira os protegia da chuva e do frio, mas havia a luta pelo alimento, que ora vinha dos vizinhos solidários, ora das faxinas e até do resto da feira. A vida realmente não a poupava. Maria Clara crescia bonita, feliz e saudável apesar de tudo. Os gêmeos estudavam e já começavam a ajudar em casa, um ajudava na feira e o outro engraxava na praça. Maria, agora era passadeira e a freguesia começava a aumentar e Clarinha, como era chamada em casa, já na escola, sonhava em ser médica e assim ajudar quem ficasse doente na família. Maria ficava feliz com as pretensões da filha, mas por dentro a tristeza a consumia por saber que era um sonho impossível, mas faria tudo que fosse possível para que Clara e os irmãos tivessem uma profissão digna e bem remunerada. O tempo passou, os gêmeos não se formaram em nada, um era ajudante de caminhoneiro, o outro conheceu o tráfico, viveu horrores com a família, mas a mãe tentou de tudo para recuperá-lo, porém a droga venceu e como troféu levou a vida do rapaz. Foi um golpe e tanto para Maria. Mas alguns anos depois, a vida parecia querer recompensar tanto sofrimento. Clarinha estava terminando o Ensino Médio e sua mãe agora trabalhava com carteira assinada, era auxiliar de limpeza numa empresa de advocacia e por lá fez muitos amigos e todos a queriam bem, tanto que um dos advogados sócios da empresa disse à Maria que estavam precisando de uma estagiária e como sabia que Maria tinha uma filha concluindo o Ensino Médio, sugeriu-lhe que trouxesse a moça para uma entrevista, que aconteceu dias depois e Clarinha, já estava estagiária e trabalhava toda sorridente numa pequena mesa improvisada. Maria quando entrava para limpar, via orgulhosa sua filha, caminhando rumo a um futuro, com certeza bem promissor. Em casa, era só alegria, Clarinha contava para a mãe tudo o que estava aprendendo e como fora o seu dia, a mãe a olhava feliz, mas ainda havia tristeza em seu olhar, pois um filho estava morto e o outro longe de casa de cidade em cidade, de estado em estado, enfim…Clarinha daria certo, era uma promessa. Com o passar dos anos, Clarinha com ajuda dos amigos advogados e seu salário, que não era muito, começou a cursar uma faculdade de direito e agora sim, Maria já via a filha advogada. Quando tudo parecia dar certo, Maria recebeu a notícia da morte do outro filho, o caminhão em que viajava se chocou com um ônibus e o pior aconteceu. A tristeza voltou à casa e Maria dessa vez se entregou, ficou muito doente, teve depressão e enquanto isso Clarinha era a responsável por tudo, cuidou da casa, sim, porque a essa altura já conseguiram casa própria. Cuidou da mãe e ainda trabalhava e estudava. Clarinha tirou forças de onde não tinha, mas venceu todos os obstáculos. A mãe já estava em casa e se recuperava bem, foram anos de tratamento e a guerreira Maria da Silva venceu, estava em pé de novo, firme e orgulhosa para acompanhar a formatura de Clarinha, Doutora Maria Clara da Silva. Eu estava lá e vi quando minha amiga Maria linda e elegante olhou para a filha de longe e orgulhosa disse baixinho: “Eu te vejo” e aqui podemos concluir que Maria via naquele momento uma filha guerreira e vitoriosa como ela. Infelizmente nem todas as Marias tem uma história com esse desfecho, porque a vida é mesmo assim.

Castilho Benício
Enviado por Castilho Benício em 24/03/2019
Reeditado em 14/06/2020
Código do texto: T6606199
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