TALVEZ...

Aquele dia fazia calor, final de verão, sol a pino, no céu desfilavam algumas dúzias de nuvens desavisadas, umas aqui, outras acolá. O suor escorrendo pela minha face, início de tarde, transeuntes apressados pelo calçamento esburacado. Na esquina de uma rua qualquer, proximo ao bar do português - permitam chamá-lo assim - funcionários da prefeitura consertavam parte da rua, asfalto quente, cheiro de piche, maquinário barulhento.

A tarde foi seguindo o seu curso triste rumo a noite, as pessoas se mostraram despreocupadas naquele ambiente turbulento, eu, observador da vida alheia, cronista, vejo, escrevo, tentando captar em palavras as imagens deste meu tempo e suas emoções.

De repente, surgem nuvens pesadas no horizonte, vindas de um único ponto, a noroeste do céu, " será que vai chover? " perguntou-me um senhor que passava, enquanto eu, quieto, apenas observava aquele pequeno ponto escuro avolumar-se, " Parece que sim, não vai demorar a cair " respondo sem muito entusiasmo. O senhor retirou-se, entrou no bar do português, que por sinal, estava lotado, mesas de truco, cervejas, churrasco para chamar a clientela. Em poucos minutos, aqueles pequenos pontos de nuvens isoladas tomou todo o céu, rajadas de ventos tão fortes que me obrigou a esconder-me na padaria do seu Oswaldo, que ficava um pouco à frente do bar.

Cinco minutos depois de me abrigar, a chuva caiu, e tudo ficou branco, como em dias de neblina, chuva forte mesmo, dessas que inunda tudo. A calçada em frente parecia com um pequeno rio, os carros passavam rapidamente, jogando água para todos os lados, não havia trovões e nem raios no início do temporal, apenas a chuva que caia, os funcionários da prefeitura se esconderam, a chuva fez do pequeno caos outro ainda maior. Silencioso, comecei a prestar atenção nas pessoas que abrigaram-se na padaria, que como eu, desavisadas, foram pegas de surpresa.

Uma dessas pessoas, moça jovem, muito bonita por sinal, cabelos curtos, olhos azuis, alta, corpo esguio, rosto com sardas, roupas coladas ao corpo, fone no ouvido. Ela trazia na altura ombro, começo do pescoço, uma pequena tatuagem. Era um beija-flor, belíssima ave, de cores tão vivas que parecia real. A surpreende representação artística em seu corpo mexeu com minha imaginação.

Sim... Caríssimos leitores, logo me veio à memória o beija-flor da inspiração, o meu beija-flor, àquele mesmo de outrora poética. Fiquei extasiado, boas lembranças surgiram de pronto. Mas… No outro instante voltei a minha realidade, e novamente eu estava na torre alta do castelo pensamento, e todas aquelas imagens, fantasias de meus devaneios, dissiparam-se no horizonte ao som de um estrondoso trovão. Talvez um dia, quem sabe... Talvez nesse dia, eu me liberte dessa opressão das lembranças, desta torre pensamento, deste reino imaginário. Talvez...

Este poema anexado a crônica escrevi no pensamento enquanto a chuva não passava. Achei importante compartilhar com vocês.

Eis aí:

Talvez o tempo mude,

E as nuvens

Também mudem de lugar.

Talvez o pássaro alado mude

E se faça humano novamente

Nesta terra de ninguém.

Talvez,

Este poeta solitário mude

E se transforme em letras,

Vivas letras no papel,

Letras de amor,

Amor não respondido.

Mas tudo isso

É apenas um talvez.

Sou a angústia no fim de tarde,

A alegria no começo do dia,

Sou a fantasia

De minhas próprias histórias.

Sou apenas um talvez,

Um até logo,

Ou nunca mais.

Não tenho nome,

Nem rosto,

Sou o verso jogado no papel,

A poesia esquecida,

Sou o talvez,

O momento

Desejo,

A própria solidão...

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 24/03/2019
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