a era da farsa e da hipocrisia

Contrariando determinação da ONU, os EUA invadem o Iraque alegando que este fabrica armas de destruição em massa, que nunca foram encontradas. E todos sabem que a razão verdadeira foi a questão do comércio mundial de petróleo, um cartel que o Iraque ameaçava quebrar. Alardeia-se calamitosamente o alastrar de uma pandemia de gripe suína, um novo e mortal tipo de vírus, gastam-se quantidades colossais de recursos em todo o mundo para preveni-la e combatê-la, e ao final a tal gripe mostra-se menos grave que as gripes comuns que ocorrem a cada ano. Calotes programados no mercado de imóveis americano dão início a um efeito dominó de quebradeira de bancos e instituições financeiras por todo o mundo, que para ser remediado custou aos cofres públicos de muitos países quantias incalculáveis, que seriam suficientes para acabar com a fome e a miséria no globo.

No Brasil, nunca a educação foi tão negligenciada. Este se tornou um país onde não é preciso ter educação para conquistar uma atividade rentável. Nas escolas, prevalece a regra de que o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende, e deste pacto de mediocridades resulta que se vira melhor na vida quem logo abandona a escola e adere ao tráfico, à prostituição, à criminalidade. E, a despeito do notável incremento em tecnologia, nunca os profissionais da área de saúde cometeram tantos erros médicos, nunca estes erros foram tão acobertados, nunca a saúde foi tão tratada como mercadoria, a de boa qualidade muito cara, acessível a muito poucos. A administração pública, o poder legislativo, o judiciário, a polícia cada vez mais envolvidos em escândalos e em cumplicidades com o crime organizado.

Há também uma crise decorrente do esquecimento. Que razões teriam feito o País ter passado pela ditadura militar, um regime em que os direitos mínimos do cidadão foram suprimidos, e em que se podia prender, espancar, torturar, executar e desaparecer com o cadáver sem dar satisfação às famílias, vitimando principalmente jovens e intelectuais idealistas e inconformados, que tentaram numa época de sombras e medo preservar o direito de pensar e de opinar? Ora, hoje a grande maioria dos jovens do País não tem ideia do que tenha sido a ditadura militar, que acabou em 1985, e alguns dos protagonistas daquela época chegam a dizer que nunca houve ditadura no Brasil. Então como podemos aprender a evitar os males de uma nova ditadura, entre eles a falta de senso crítico e de perspectivas para a juventude que vemos hoje, se menos de trinta anos depois de finda a última já nos esquecemos dela?

Que razões teriam levado a poderosa mídia a eleger, com mentiras criminosas, o “caçador de marajás” como primeiro presidente eleito pós-ditadura, o qual não chegou ao final do mandato, cassado que foi por tantas intemperanças e despreparo? Bem, no mês passado a mesma mídia ignorou os jogos pan-americanos, para na sequência promover até a saturação o grotesco e sangrento vale-tudo, rebatizado de UFC, pretensiosa sigla de Ultimate Fighting Championship. Manipular as escolhas da massa telespectadora parece que passou a ser uma zombaria para essa inescrupulosa mídia.

E quanto ao consumo, à economia, à sustentabilidade, ao meio ambiente? Enquanto pululam campanhas que parecem verdadeiras contramedidas, de cuidado com o lixo, com o desperdício de água, com a preservação de animais em extinção, enquanto sustentabilidade passa a ser uma palavra acessória a dar credibilidade a quase tudo que se propõe a fazer, campanhas poderosas incitam o cidadão a consumir, cada vez mais, o carro do ano, a roupa e o calçado da moda, o celular, o notebook, o ipad de última geração, um mundo de equipamentos, aparatos, utensílios sem os quais poderíamos perfeitamente viver. Infelizmente, qualquer ameaça de crise econômica, deflagrada por um ser tão intangível, virtual e misterioso quanto poderoso denominado “mercado”, logo tem um antídoto anunciado pelos governantes: vamos consumir, assim superaremos a crise.

E nós, cidadãos, quando vamos deixar de ser massa espectadora?

Publicado no livro "perrengas princesinas" (2015).