A volta do escorpião
Ele não foi feito para voltar, existe para picar, tão somente para ferroar; se não picar, perde sua identidade, não é escorpião. Ao dizer não saber nadar, assim ele prometeu ao sapo que o atravessou ao outro lado rio que não o picaria. Mas depois que atravessou à outra margem do rio, picou as costas do bondoso sapo, justificando-se: se eu não te picasse, não seria escorpião. Mesmo quando está hibernando, escondido no escuro ou em qualquer buraco, ele está esperando a hora certa de atacar. Dizem que tem o tempo de aparecer; engana-se quem assim pensa, de repente, surpreende-nos como fruta azeda fora de época. Nos momentos de bom sono, ele está debaixo do seu travesseiro ou cobrindo-se com o seu lençol. Os escorpiões se não odeiam, eles não amam, tampouco se amam: No acasalamento, praticam um ritual festivo e macabro; agarram-se pelas pinças numa curiosa dança, e após consumarem o ato, se faminta, a fêmea come o macho. Nem por isso, obedecendo ao instinto, os machos, como sempre, não deixam de procurar as fêmeas.
Há quem calce o sapato para ele não ferretoar os seus pés. Mas, quando ele quer, ele já está lá: camuflado no calor da meia enrolada, aguardando o seu pé ou sua mão. Ninguém se oferece ao escorpião, ele aguarda, pacientemente, a oportunidade para picar as pessoas mais inocentes como as crianças ou os mais generosos como alguns adultos. São predadores por natureza como muitos da nossa humanidade, da qual alguns se metamorfoseiam em escorpião, deixam de ser gente para ser bicho, e até mais maldosos do que esses animais, ao ponto do artista cantar “a maldade dessa gente é uma arte”...
Esse peçonhento e temido animal, há cerca de 350 milhões de anos, é perseguido, mas nunca extinto; protege-se como pode. O escorpião metamorfoseado em gente não precisa de proteção, pois, carrega maldade pelo resto da vida, somos nós que corremos o risco do seu veneno. Vezes outras, é comparado com outro ofensivo animal, como o fez Plauto (254 – 184 a.C.), chamando-o de “lobo do próprio homem”, o que foi aprofundado pelo filósofo Thomas Hobbes, na sua obra “Leviatã”: Homo lupus homini .
Não sei lhe dizer o que é mais dolorido: se uma picada carregada de veneno de um perigoso escorpião ou se uma mordida de lobo. Quanto aos escorpiões ou aos lobos mais provincianos ou do nosso convívio, caro leitor, previna-se, eles são gente parecidos com a gente, mas leia nos nossos jornais ou veja na nossa mídia, claramente eles atacam com as mãos ou ferem com a língua...
Ninguém gosta de ser chamado de escorpião, a não ser se tiver esse signo, que não é um dos melhores, mas não tem características malévolas. Também porque talvez o escorpião signo trate de coisas promissoras e boas ad futurum ; se predisser alguns presságios, são eles apenas dificuldades passageiras que conduzirão a momentos felizes. O escorpião não pensa, age por agir ou pica por picar, sem considerar as consequências. Mas o lacrau homem, ao contrário, não pica em vão, deleita-se ao observar o efeito do seu veneno.
Os escorpiões estão por aí, até perto de você, especialmente no frisson das concorrências profissionais e políticas. Os experientes, que já sofreram algumas dores e escaparam, avisam aos incautos: “Quem de escorpião foi picado teme o escuro ou a sombra o espanta”.
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