Provinciano

Aqui, nesta pequena cidade, às vezes me faço as perguntas mais remotas. Como todo provinciano, o que ainda me preocupa é a compreensão do mundo e da vida num âmbito particular, embora tudo tenha mudado tanto ultimamente. As grandes questões metafísicas deixo de lado, para aqueles que realmente têm condições de enfrentar tais problemas. No mais, sou apenas um homem que busca a liberdade plena e procura um meio fácil de se realizar. Não tenho dúvidas maiores, mesmo essas perguntas que me faço, às vezes, são meros exercícios de imaginação, na tentativa de dá corda à mente e ao pensamento. Procuro ler no rosto das pessoas alguma verdade sobre elas, mas, geralmente, encontro somente coisas sobre mim mesmo. Acho que vejo nos outros o reflexo daquilo que eu mesmo sou.

A cidade ainda dorme e meus olhos já veem, com assombro, o horizonte. No alto, por cima das casas, como se quisesse se mostrar apenas para mim. O melhor de tudo aqui é o sossego de tudo. Mesmo os movimentos são lentos e coerentes, como se ensaiados diariamente. Os carros cruzam de um lado a outro a cidade; mas, como se vazios, têm seu próprio domínio. Tenho reparado que algumas pessoas parecem mais felizes que outras; natural, penso. Ninguém é mesmo igual a ninguém, nada é exatamente como outra coisa qualquer. A vida segue repetindo esse roteiro, mesmo as coisas mais absurdas que acontecem, perecem premeditadas, ou melhor, costumeiras aos olhos de todos.

Enquanto o mundo lá fora pega fogo, aqui todo mundo ainda fala de coisas miúdas, como a escassez das chuvas, que atrapalha a pesca amadora. O terrorismo, a liberdade de expressão, os vários conflitos religiosos e as guerras infindáveis são apenas notícias repetidas, que vemos nos telejornais, que assistimos somente porque estamos esperando as telenovelas começarem. Nada disso faz parte dos sonhos de ninguém, nem dos pensamentos. A vida se apresenta definida, como um quadro desenhado, com regras específicas; quem as segue, encontrará o seu destino. Os relógios não param, embora o tempo tente parecer relativo. Não há nada a se fazer ou no que pensar, basta cada um cuidar de si e olhar tudo como se fosse uma programação, um roteiro, que não tem como falhar.

O que penso sobre as coisas é mais ou menos o que vejo. A minha visão estabelece meus limites e o tamanho de tudo, provincianismo apenas. Isso faz de mim um cara comum, que espera e que lembra, que está obcecado pelo futuro e pelo passado, deixando de lado o agora. É um jeito errado de viver, mas preenche as horas e molda o pensamento. Nessa pequena cidade há algumas coisas maravilhosas: certas meninas, que esperam o amante certo; pessoas que andam nas ruas sem medo de nada; um céu estrelado, que me leva ao próprio céu, me fazendo sentir o vento e a cor da noite. A cidade abriga boa parte das minhas vontades, em cada rosto que vejo, sinto que há uma verdade maior dentro das pessoas. Sei que não há definição para tudo, mas o mundo vai se ajeitar, não importa como, uma hora tudo volta a ser como era.

João Barros
Enviado por João Barros em 20/03/2019
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