Obra com tudo dentro
Depois de três anos do desatino de se fazer obra estando dentro de casa, tenho certeza que um desses estudiosos da mente humana deve explicar o porquê da nossa memoria ser seletiva para alguns transtornos que passamos na vida e voltarmos a repeti-los um tempo depois.
Cá estamos nós com “obra com tudo dentro” de novo! De novo, já aconteceu de tudo um pouco: tira tudo do lugar, amontoa coisas aqui e ali, cobre com lonas, engole poeira, convive com o barulho infernal das ferramentas dos pedreiros... de novo perdemos um dos nossos companheiros de quatro patas: desta vez foi a cadela Zefa que nos deixou. De novo tem a promessa do grande chefe de que nunca mais fará obras com tudo dentro, principalmente, quando nosso inverno estiver se aproximando. Até parece que a coisa é séria!
Bem, como o avanço da idade vem me ensinando que sempre devemos ver o lado bom das coisas, vejo nossa obra com tudo dentro como uma mexida na poeira do comodismo que estava se instaurando no nosso “cantinho”; também é sinal de que o dinheirinho guardado esta ajudando a deixar nossa casa mais com o nosso jeito de ser; tem também todo exercício de paciência, benevolência e quietude da mente – pra não estourar com palavrões etc e tal.
Ontem mesmo, sentamos – nas duas únicas poltronas disponíveis e no espaço restrito da televisão, pra assistir nossa novelinha (que já está nos últimos capítulos), eis que a gloriosa CEEE interrompe o fornecimento de energia elétrica aqui nas bandas de Águas Clara. Esperamos um pouquinho – a pontinha de esperança que faz parte do ser humano paciencioso, e nada. Bem, então vamos jantar, disse o sr. França, descendo as escadas pra cozinha improvisada ansioso pelo mocotó light que passei o dia preparando prá ele e também para ligar o radinho a pilha e ouvir o jogo do Inter.
Mas lá estava mais uma surpresa – cadê os fósforos pra ascender o fogão? Começou a saga da caça a caixa de fósforos. Com as duas lanternas de emergência (que por sorte estavam carregadas) procuramos em todos os lugares possíveis e imagináveis da grande bagunça, subíamos e descíamos as escadas como dois velhos fantasmas. Naquele momento entendi perfeitamente o ditado “...é como achar uma agulha num palheiro”, mas também não podia desistir de procurar a bendita caixa de fósforos, pois tinha certeza de sua existência e também de que não merecíamos ir dormir sem assistir nossa novelinha até o final, com fome e sem banho, alguma coisa tinha que dar certo.
E deu. O anjinho, assim, do nada, direcionou a lanterna pra cima da geladeira e lá estava ela, a linda, maravilhosa, poderosa – caixinha de fósforos! Janta garantida, Inter faz um gol e o banho... bem, a gente faz uma meia sola e se deita assim mesmo. Pois foi deitar a cabeça no travesseiro e a energia elétrica “pá” voltou. O capetinha até que veio atentar pra enforcar o banho, mas como minha mãezinha me ensinou que – seja pobre, mas limpinha – tratei de levantar e tomar meu banho quentinho, empurrando a outra pessoa da cama pra ir pro banho.
Como diz minha amiga Cristina “tudo fica bem quando acaba bem”. Como acredito no ser humano, vou esperar pra ver se será mesmo a última “obra com tudo dentro” da minha vida!