O ATREVIMENTO NÃO TEM LIMITE

Quando frequentava o liceu Alexandre Herculano, no Porto, tinha como companheiro, rapaz de olhos tímidos, que se isolava da restante turma.

Mal a sineta tocava, indicando que era hora de recreio, saia, calmamente, e logo se encostava ao balcão do vestuário, a conversar, ou melhor, a ouvir, a senhora Olívia, mulher baixinha, de meia-idade, responsável pela roupa, e demais utensílios dos alunos.

Era, na ocasião, o “urso” da turma. Sempre tinha resposta pronta, na ponta da língua, e indicador alçado ao céu de estuque, da sala.

Mais tarde, inexplicavelmente, foi decaindo, chegando a reprovar, uma ou duas vezes, o mesmo ano.

Lembrei-me desse infeliz ao falar com o amigo Zé; e no que me disse, em dia de confidências: “ - Raras vezes aceitam as minhas ideias! …”

É que, muitos anos depois de ter deixado os bancos liceais, encontrei-o, como balconista, numa livraria da minha cidade.

A fisionomia era a mesma, assim como o aspecto físico, mas logo pressenti, que dentro daquele corpo franzino, de olhos tristes e acabrunhados, havia espírito de invulgar capacidade.

Durante a curta conversa que travamos, disse-me: que ninguém o levava a sério, porque: “ humilde trabalhador, nunca tem razão…”

Até descobrir meio eficaz de ser escutado, com atenção, e com muito respeito.

- Como? - Perguntei, curioso.

- “ A maioria das pessoas, são como livros encadernados, de folhas brancas: bonitos por fora, ocos por dentro; mas prezam-se de serem considerados cultos…Quando se quer impor opinião, sempre se deve, esclareces: que a ideia não é nossa, mas de iminente figura: filósofo famoso; teólogo sapiente; político considerado; economista reconhecido; ou psicólogo iminente.”

E prosseguiu:

- ” Ao citar frases inteiras (falsas) e opiniões de homens célebres (que apenas se conhece o nome), sobre este ou aquele assunto, o interlocutor, que não quer ser considerado ignorante, engole em seco, e “ acredita”, admirando o saber e a cultura do amigo ou subordinado.”

Assim, segundo disse, passou de néscio, a sapiente; de “analfabeto” a “doutor”.

Não sei se a esperteza do meu antigo condiscípulo, é original; mas receio, que haja “eruditos” de cafetaria, que empreguem o estratagema com sucesso.

A fraude, só pode ser descoberta – julgo eu, – se a citação é escrita, e acompanhada do nome da obra, onde se encontra inserida.

O atrevimento não tem limites…

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 18/03/2019
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