Um Rivotril pra ele, por gentileza.

Após ler um texto compartilhado por uma amiga psicóloga, pesquisadora (Elaine Machado) sobre o uso do Rivotril duas vertentes invadem a minha mente:
1) se o Brasil é o segundo maior consumidor do mundo de rivotril, o ansiolítico da modernidade, cujo objetivo médico é cuidar de doenças psíquicas, o brasileiro está cada vez mais doente na área;
2) O brasileiro não se atentou, ainda, para os efeitos reais da tarja preta.

Surpreendem os dados da pesquisa que comprova o altíssimo grau de dependência do nosso povo em relação a um medicamento tão perigoso, usado indiscriminadamente.
A era da felicidade urgente nos tornou escravos de um rótulo que a sociedade emite que tudo que se relaciona com a dor ou com a perda deve ser banido. É a época dos sentimentos eufóricos da fuga da realidade. Se você chora, é triste, deprimido; se ri, naturalmente, excede os bons costumes, a etiqueta; se fala o que pensa, ao invés de autêntico, recebe o status de louco.
Os pais, atropelados pelos afazeres, querem os filhos calmos, silenciosos, bonzinhos e “dali calmante do bem, e dali rivotril.”
Rivotril é sinônimo de calmaria, como se perder os sentidos, fosse a solução para os problemas.
Estamos escravos da vida fácil, sem problemas, sem necessidade de intervenção, uma verdadeira sensação de paz, mas que faísca.
A minha geração assistiu a colocação de rótulos do tipo: aquele ali usa tarja preta e mesmo com esta visão tão preconceituosa da época, pois nos faltava amadurecimento, este receio nos deixava mais distantes desse vício louco, dessa escravização.
E não é só o rivotril, é a fluoxetina, o diasepam, e tantos outros que mascaram sentimentos e nos isentam de emoções que nos tornam mais humanos, atentos. Além do mais, tem cidadão usando medicamentos profiláticos para crise de epilepsia e enxaqueca para EMAGRECER... “Pode isso, produção?”
Alguns dirão que é fácil falar quando não se vive algo parecido, mas eu direi, estamos fracos demais para viver a vida de verdade e utilizamos como bengalas, estes instrumentos que no início fazem bem, mas depois, pela vala comum, já não apresentam o esperado. Não estou aqui citando os casos médicos em que há a necessidade, de fato, do uso de medicamentos, sem leviandade, com profissionalismo e respeito, que são raros, mas existem!
Este número estatístico do qual gozamos o segundo lugar é um problema de saúde pública e deve ser usado para mostrar que entre ser e estar existe uma pessoa e que ela precisa aprender, reaprender a lidar com os limites nossos de cada dia.
Vale citar a indústria farmacêutica e o papel do profissional na prescrição médica que, já foi veiculada nos telejornais, a notícia da chamada “máfia” com fins meramente financeiros de beneficiar determinado laboratório.
Acabei de lembrar de um fato ocorrido na última quinta-feira, na sala de espera de uma clínica de psicologia. Ao entrar, vi uma placa enorme com os dizeres: “aqui é lugar de silêncio, pratique.” De frente com a placa uma caixa de som enorme sintonizada numa estação de rádio que tocava música de todo tipo, até axé, cujo refrão de uma música de Ivete cantei mentalmente (achei incoerente, mas devia ter uma justificativa). Neste dia, o campo estava movimentado (tinha um time e tanto, muitos no banco de reserva), todas as cadeiras ocupadas e de repente aponta uma conhecida do studio personal, que ao cumprimentar perguntei por onde andava (não sabia eu que ela contaria sua vida):
- Deixei tudo. Passei por maus bocados. Sofri bullying por ser homossexual, tentei tirar a vida 2 vezes, engravidei, e agora estou no centro espírita ajudando um grupo de adolescentes a se livrar das obsessões que os tomam, num trabalho voluntário que me toma todo tempo, além do mais, sou filha bastarda do Rivotril que não posso sequer deixar de usá-lo um único dia que tudo volta, como uma avalanche.
Não bastasse o relato sofrido, ela continuava a me contar todas as peripécias da vida até que, de repente, fomos interrompidas por uma porta da qual surgia um homem com um semblante raivoso partindo para o equipamento de som e o colocando em último volume (não era possível sequer trocar palavras de cumprimento). Na hora minha ficha caiu: era a conversa daquela menina que eu ouvia em silêncio que o incomodava.
Depois daquela cena, envergonhada, afinal não tinha noção do quão alto ela estava falando, mas também não queria deixá-la sem a devida atenção, me levantei da cadeira, fui até a porta para saber quem era o profissional que havia nos colocado naquela situação constrangedora, até porque, um simples chamado para atender ao escrito na placa, seria suficiente. Fomos tomadas pela emoção: ela da partilha, eu do consolo.
Esperei até o seu cliente sair e fui me desculpar pelo episódio com o Dr. Fernando (psiquiatra)que justificou dizendo que o som tinha essa função mesmo, de evitar que as interferências externas atrapalhassem o atendimento. E finalizou dizendo:
- Não se preocupe. Nem precisa pedir desculpas. É um procedimento de praxe. Sobre a paciente, é consumidora compulsiva de Rivotril e não tem racionalidade para compreender que não pode sair por aí descrevendo sua vida pessoal tão cheia de pirotecnia mental obsessiva.
Eu não sei o que ele quis dizer com “pirotecnia mental obsessiva” mas lendo o artigo, tendo experimentado a postura daquele profissional quando da abordagem (radical, sem espaço para um diálogo) e lembrando das sua resposta à desculpa, ouso afirmar que estamos carentes, inclusive o médico. Um Rivotril para ele, por favor! Um pra mim também, obrigada!
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 18/03/2019
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T6600839
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