A DÚVIDA CRUEL
O filho, Adão, lá da altura dos seus quinze anos, dá início a um papo com seu pai. “Pai, ontem surgiu entre meus colegas lá na escola, uma discussão sobre a palavra sofisma, e não se chegou a nenhum acordo e a nenhuma conclusão. O senhor pode me explicar o real significado dessa palavra”?
O pai largou o jornal e foi apanhar o dicionário, onde leu para o filho: “sofisma = substantivo masculino – raciocínio capcioso, feito com a intenção de enganar. Argumento ou raciocínio falso, com alguma aparência de verdade. Dolo, engano, logro”. E o pai ainda acrescentou que na Grécia antiga, o sofista era o filósofo que ensinava a arte da eloquência, incluindo a finalidade de fazer prevalecer as suas ideias nas discussões, sem levar em conta os aspectos éticos e morais, importando, sobretudo, vencer os seus oponentes.
O filho não se deu por satisfeito, e indagou como seria possível perceber quando o sofisma estava sendo utilizado, já que ele se disfarça com a aparência de verdade.
O pai então explicou: “quando você ouvir alguém falando mais demoradamente sobre um determinado assunto, geralmente revestido de alguma complexidade, você deve observar a sincronização da substancialidade do discurso na sua essência, notando o entrosamento das suas circunstâncias, atento ao contraditório dos paradoxos intrínsecos, observando também os conceitos oscilantes entre a convergência e a divergência das ideias expostas, que se entrechocam, estabelecendo uma indefinição neologista, no estilo socrático misto com o de Zenão de Eléia, previamente premeditado, para a alternância da interposição, da superposição, da contradição e da extradição, ou do desenvolvimento de conceitos paralelos, com derivações ora para a concordância, ora para a discordância, camufladas pela harmonização aparente, através da condução subliminar a ideias abstratas, subjacentes, ocultas na obscuridade proposital, mediante a inequívoca intenção de conduzir a ingênua audiência, a desvanecidas conclusões, alimentando a inércia e a reclusão intelectual, produzidas pelos curtos-circuitos e pela pane nos neurônios, com o consequente bloqueio das faculdades mentais da plateia domesticada”.
“E então, filho, você entendeu? Mas, antes mesmo de começar a ouvir o discurso, ou logo no seu início, procure saber se o palestrante é político ou teólogo. Se for um dos dois, caia fora logo, sem ouvir o discurso”.
“Para ser franco, pai, eu entendi tanto quanto eu entendi a discussão entre os meus colegas da escola, e também não entendi porque políticos e teólogos”!
“Bem, retrucou o pai, caindo fora rapidamente desse lugar, você estará escapando de cair no conto do político ou no conto do vigário. No Brasil, desde a proclamação da sua independência, como o povo não pode cair fora do lugar, ele vem alternando: quando não cai no conto dos políticos, cai no conto do vigário, ou ainda no conto da justiça, onde foi convencido que todos são iguais perante a lei”.
E completou: “Filho, procure ser enganado o menos possível, mas consciente de que sempre você será enganado de uma ou de outra forma. A única maneira de não ser enganado, seria você viver sozinho numa ilha, mas correria o risco de surgir uma náufraga chamada Eva, e então a serpente... Ora, Adão querido, vamos começar tudo de novo!”