Relato do último ano

Relato do ultimo ano

Os últimos dias, na verdade, são como todos os outros. Assim é, se você reparar bem. Estamos todos aqui, um ia morremos. Muitos de nós não sabe quando será esse dia, se vai levar muitos anos, ou apenas algumas horas. Então os dias que antecedem a partida são vividos exatamente como todos os outros. A gente acorda, toma café, bota os filhos pra escola, vai trabalhar, se estressa com o chefe e pega transito pra voltar pra casa. No caminho, e durante o dia, não pensamos muito se vamos morrer. Nós pensamos no uniforme escolar pra comprar, na conta de luz pra pagar e de onde vai sair o dinheiro pra isso tudo.

Mas nesse dia, mesmo sem suspeitar, alguns de nós vão morrer. E vão ter vivido seus últimos dias como qualquer outro.

Alguns pensam que essa lógica se inverte quando voce recebe um diagnóstico. A maioria dos médicos enrola muito pra dizer certas coisas, pedem inúmeros exames, antes de te dizer a resolução. Esse processo pode durar meses. E enquanto isso, voce vive seus dias como todos os outros. Isso é saudável.

Quando finalmente vem o diagnóstico, alguns deles, incompatíveis com a vida, todos acham que você vai enlouquecer, vai querer pular de paraquedas, vai escalar o Everest. Alguns, de fato, reagem dessa maneira, mas não são todos. E esses também, cessadas as loucuras que sempre quiseram fazer, mas tinham covardia, voltam a viver o seu dia a dia. Voltam pro emprego, levam os filhos na porta da escola, voltam a cozinhar o jantar. Porque a essa altura você começa a ver a beleza desses gestos. Você percebe como é mágica a vida cotidiana. Como é bonito estar à noite, na sala, vendo telejornal com a família.

Então você opta por viver seus últimos dias assim, como todos os outros, mas vendo-os de outra maneira, e pensando como seu espírito vai sentir falta daquela monotonia. Nada consegue ser mais verdadeiro do que o cotidiano ao lado da família, dos amigos, do chefe chato (até dele você sente falta).

E às vezes alguém pensa “nossa, mas ele ainda trabalha?”, e não sabe que é o trabalho que o mantém de pé, enfrentado a sua realidade. Não sabe como é bom acordar e ter disposição para trabalhar. E não sabe como é bonito encarar mais um dia de trabalho.

Karine Maria Lima
Enviado por Karine Maria Lima em 15/03/2019
Código do texto: T6598714
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