COLO SEM DONO
O melhor da vida é o turbilhão da dúvida,
o enviesado caminhar da certeza,
o nebuloso cheiro da fé.
O melhor da vida é perceber que há muito por perceber,
muito a digerir, muito a respirar,
muito a compartilhar.
O melhor da vida são os desencontros divinos,
o alívio que sucede cada gozo,
a cicatriz que brota em cada adeus.
O melhor da vida são os anjos vestidos de dor,
o afago na forma de açoite,
o descanso envolto num colo sem dono.
O melhor da vida é perceber mérito nas ciladas,
é aceitar as derrapadas como agrado de Deus,
é se ver inteiro, mesmo nos frangalhos da solidão.
O melhor da vida são os acenos anônimos da verdade,
as fagulhas refrescantes do recomeçar,
o berro aveludado do perdão.
O melhor da vida é abençoar o útero que nos fez,
abraçar com a alma os pedregulhos que nos atiram a esmo,
desmamar dos medos que não cessam de gemer.