E Se Fosse Eu ? (Parte II)

Alguns anos se passaram... E qual não foi a minha surprêsa; quando me deparei com a sua foto em uma homenagem prestada por um grupo de alunos de um conceituado colégio, por ocasião do 'Dia do Mestre' , e que tinha ao fundo em letras douradas e garrafais a palavra; "Honra ao Mérito". Um pequeno detalhe não deixava nenhuma dúvida de que se tratava da mesma pessoa; havia bem visível no crachá: "Professora Júlia". Sim, não restava nenhuma dúvida de que se tratava daquela mesma jovem que eu conhecera naquela excursão, há alguns anos atrás. Fiquei curioso, afinal ela estava certa de que seria uma psicóloga; o que teria acontecido? Naquela ocasião, eu trabalhava em uma editora onde era o responsável por um setor, chamado Clube de Leitura; tinha a possibilidade do contato direto com práticamente todos os professores ou pessoas ligadas ao magistério em todo o País. Entrei em contato com ela, e ela lembrou-se, não muito bem de mim, mas muito bem daquela excursão. Fui logo perguntando:

-Me diga uma coisa; você não pensava ser psicóloga? Tinha tanta certeza disso; por que resolveu optar pelo magistério?. Ela, com um sorriso tranquilo me respondeu:

-Olha meu caro, aquela excursão; aquele fim-de-semana com aquelas crianças lá na serra, foi um divisor de águas na minha vida... E disse que foi um acontecimento justamente naquele evento, que mudou radicalmente o sentido da sua vida. Disse que sempre havia se considerado uma jovem de mente bem aberta, "antenada"; bem resolvida sob todos os aspectos; sem preconceitos e avessa à dogmas de qualquer espécie, assim como a preceitos ou premissas.

Mas que naquele final de semana, todos os seus conceitos vieram abaixo; toda aquela sua fortaleza ruiu como um castelo de cartas, e isto aconteceu apenas com o poder das lágrimas contidas, que teimavam em querer rolar de um rostinho de uma única criança; uma menininha de apenas oito anos...

Emocionou-se quando disse o seu nome: Clara...

Confessou que como futura psicóloga, achava-se bem atualizada com a realidade. Percebia que a atual situação dos casais, era um verdadeiro filão; famílias desestruturadas, pais separados e seus filhos... Era este o seu foco, pois se achava sinceramente bem preparada para aquela realidade. Sentia-se bem "municiada", e preparada para atender àquela grande demanda.

Mas eis que tudo isso veio abaixo, quando no retorno daquele grupo de crianças -que ela acompanhava- havia sido preparada uma recepção-surpresa no colégio. Formaram um corredor onde, de um lado ficavam os pais, e do outro as mães, sendo que à medida em que a criança adentrava naquele corredor e passava na direção dos seus pais, estes a abraçavam -um de cada lado- e a retiravam da fila... Era uma agradável algazarra. Mas infelizmente para aquela menininha, foi uma das maiores -se não a maior- decepção da sua vida... Acontece que ela era filha de um "casal de duas mulheres". E, embora as suas "mães" estivessem ali presentes para recepcioná-la; não puderam se encaixar no contexto daquela dinâmica, pois na verdade não eram um casal: "homem e mulher"; eram "mulher e mulher"... E a partir daquele instante ela já não sentia mais "firmeza" em ser psicóloga, pelo simples fato de que não saberia, se perguntado fosse, responder àquela menininha que chorava copiosamente, ou a qualquer outra criança daquela idade; porque seus "pais", ou mães" eram diferentes dos pais das outras crianças...

Colocando-se no lugar daquela menininha ela imaginava que, por mais que se sentisse amada por aqueles seus dois "pais", ou seriam "mães?"; ela se sentiria intimamente infeliz, pois na realidade ela era "diferente" das outras crianças; por nunca ter tido a chance de poder chamá-los de "meu pai" e "minha mãe"...

E foi assim, que a partir daquele momento ela chegou à conclusão de que, na verdade, ela apenas pensava que sabia muito; que era uma pessoa de mente aberta, como a mídia costuma chamar àqueles que acatam os seus ensinamentos -diga-se de passagem- nada ortodoxos quando se referem ao modelo de família moderna, ou se poderia chamar de "neo-familia".

Então ela se sentiu na obrigação de rever os seus conceitos; os seus preceitos, e principalmente as premissas que a levaram às conclusões que até então norteavam o sua vida. Lembrou-se das suas festinhas de aniversário -tinha as fotos- onde, ainda bem novinha estava no colo de sua sorridente mãe, assoprando uma velinha de dois aninhos vendo ao fundo a figura de seu pai "babão"... Aos sete, se apresentava no pequeno palco do colégio, com o seu vestidinho branco de balé, sendo que na platéia estavam, emocionados e com lágrimas nos olhos; seu pai e sua mãe... Na sua Primeira Comunhão; na festinha dos seus quinze anos também lá estavam eles... Sim. Em todos os momentos importantes da sua vida; fossem de alegria, ou até de tristeza, lá estavam: o seu pai e a sua mãe... Colocando-se no lugar daquela menina, apenas se perguntou: "E se fosse eu?"...

E foi por conta disso que a cadeira de psicologia perdeu uma de suas mais fortes candidatas, mas as crianças daquele colégio ganharam uma ótima pedagoa; uma fortíssima aliada na sua formação... Alguém que poderá lhes indicar qual é o verdadeiro caminho capaz de levá-las à formação de uma família dentro dos planos d'Aquele que criou o universo.

Um caminho que certamente não as levará um dia a um divã de psicanalista... Um caminho que com certeza, jamais as levará às encruzilhadas dos preconceitos, simplesmente porque não haverão motivos para que tais existam...

Interessante como tudo pode mudar apenas com uma simples pergunta: "E se fosse eu?"