TEM GATO NA REDE
O homem chega do mercadinho com meia dúzia de cervejas para comemorar o primeiro dia de férias.
Sempre fora um trabalhador dedicado. Todo certinho a ponto dos colegas tirarem sarro dele por nunca colocar atestado, chegar sempre no horário e claro, ser um tremendo puxa saco do chefe.
Naquele dia queria esquecer tudo e comemorar com um delicioso churrasco o início das férias. Cerveja no ponto. Queria encher a cara e dormir a tarde toda.
De repente, todos os seus sentidos se voltaram para um falatório na porta da sua casa. A voz de um vizinho, que implicava, reclamava e observava tudo, ecoou:
─ Isso é gato! Estou sentindo o cheiro!
O homem não hesita. Joga a carne no chão e cobre-lhe com parte da areia que estava rente ao muro. Tira a roupa que estava no balde e joga a água com sabão sobre as brasas, cobrindo-as com o restante da areia.
Com o coração quase saindo pela boca, pensou: “Como descobriram?”
Lá de fora o vizinho rabugento gritava:
─ Isso é crime previsto em lei de acordo com o artigo 155 do Código Penal!
O homem não entendia de lei, mas um breve filme lhe passou pela cabeça mostrando-lhe seu novo uniforme listrado que usaria na prisão.
─ Eu pago meus impostos em dia. É Cofins, PIS, ICMS, CIP e tantos outros para financiar o seguro-desemprego e esse indolente ainda nos aparece com um gato. – grita o rabugento.
Sacudindo uma toalha aberta, a fim de espalhar o cheiro da carne assada, tentava organizar um plano de defesa... ou de fuga, pois para piorar sua situação, o rabugento fazia insinuações que ele seria um vadio e não um trabalhador curtindo férias.
─ Todo mundo trabalha para ter suas coisas. E ele faz isso: gato, gato e gato. – continuava a falar o implicante.
A voz de outro homem tentava amenizar os ânimos do vizinho rabugento.
─ Calma, senhor! Vamos tomar todas as providências para resolver tudo da melhor maneira.
─ Mas esse bandido tem que ser punido! Fica manchando o nome das pessoas dessa rua com esse gato.
Decidido a sair e dar uma justificativa pela sua atitude covarde, o homem coloca a mão na maçaneta da porta, respira fundo e num impulso, desponta em frente a dois homens desconhecidos e mais o vizinho rabugento, gritando:
─ Ele comeu meu canário, fazia xixi na porta do meu armário todos os dias e ainda roubava minha quentinha enquanto eu lavava as mãos. Eu mereço responder pela minha covardia.
O vizinho rabugento vira-se para o homem e comenta:
─ Já bebeu toda aquela cerveja, tão rápido? É por isso que está falando besteira sozinho. Cale-se e preste atenção, pois os homens da empresa de energia estão fazendo uma inspeção. Denunciaram um gato na rede elétrica de seu vizinho.
Trêmulo e suado, o homem, agora, aliviado, examina a cena observando os funcionários da companhia de energia que fotografavam um tubo por onde passavam os fios clandestinos.
─ Esse aí é trabalhador. Homem direito. Incapaz de fazer mal a uma mosca, quanto mais a um gato. – o rabugento apontava na direção do homem em férias.
Envergonhado, o homem pergunta:
─ O que tem haver os impostos com os gatos e os desempregados?
─ Ora, você não sabia? Mais da metade da sua conta de energia é imposto. Muito do que você paga serve para financiar o seguro-desemprego e as perdas com "gatos", por exemplo. – respondeu o vizinho implicante, mas informado.
O trabalhador não tão direito na sua intimidade, mas completamente desinformado das suas responsabilidades, dirige-se até o vizinho e diz:
─ O senhor é gente boa! Obrigado por me dizer para onde vai meu imposto.
Volta para sua casa e fecha a porta. Arrepia-se só de pensar na possibilidade de ter comido aquele gato miserável e decide que seu primeiro dia de férias será comemorado com pipoca e refrigerante assistindo a um bom filme.