CONTOS DA CAROCHINHA

CONTOS DA CAROCHINHA

Em tempos de antanho havia um reino encantado, governado por uma linda princesa, mas sem a caretice da tradicional coroa que teria de carregar.

  Mas seu governo era um governo de fachada, porque o primeiro ministro, do tempo do rei seu amado pai, é quem deveras mandava.

  Da janela do velho castelo a princesa ainda que triste por tão humilhante situação, de ser princesa “faz de conta” é fazer-me de tonta. Ainda assim, em certas tardes mais bucólicas e, porque nada tivesse p’ra fazer e, porque também não da à boa leitura, diga-se, era rara, ficava-se a contemplar as ruas de seu reino encantado.

  E em seus devaneios achava todas elas belas, muito bem cuidadas e limpinhas, que até dava gosto de por elas calcorrear. Todas as ruas e calçadas eram caprichosamente adornadas, com árvores e flores. As praças e jardins que o ministro do meio ambiente e outros enfeites, fiscalizava, os súbditos faziam questão de proteger.

  As charretes, porque automóveis ainda não havia naqueles bons tempos, estaciona-das ao longo das calçadas, ficavam com objetos de valor escancarados, pois, neles ninguém mexia, A palavra roubo era coisa execranda. Todos, pobres ou ricos eram cidadãos honrados. Vadiagem? Nem pensar...

  O seus ministros e os parlamentares eram um belo exemplo nos quais o povo se espelhava. Era uma terra, onde fome não existia, corrupção, cruz credo, que heresia, isso era coisa de gente desnaturada, que aqui não havia.

  Nas suas raras andanças pelo reino encantado, quando já cansada de não fazer nada, a Princesa visitava algum subúrbio, um que outro bairro, e com grande agrado verificava que também todos eles eram muito asseados. Esgotos a céu aberto isso era coisa de terras sub-desenvolvidas, valetas todas elas limpinhas, sem ervas daninhas. Aqui e acolá lindas pracinhas com brinquedos para as crianças, com muitas flores, enfeitadinhas. Exclamavam os visitantes estrangeiros, que maravilha!

Hospitais às moscas, porque todos os seus habitantes da urbe tinham de ferro a saúde, como certa ata em letras garrafais alude.

  De noite, as ruas da cidade transformavam-se num mundo feérico, dava até para notar a nova fatiota de certo janota, acabada de estrear. Nas esquinas das ruas, nem “bichonas”,“nem bichinhas”, nem as mimosas “minas”. Seu reino era terra de sãos costumes. Os noctívagos podiam passear pela rua, sem medo de serem molestados.

  A certa altura do ano, no tempo de carnaval, grupos de gente faziam tremular bandeirolas e bandeiretas e, tocavam pandeiros e cornetas e outras tretas.

Havia muita gente, crente, que para tudo diziam graças a Deus, ainda que artes do demo praticassem. Mas também havia os agnósticos e os ateus, “graças a Deus”. Era uma perfeita democracia e todos viviam em harmonia, com muita aguardente e também boa melancia, que era a fruta da quadra do ano.

Num reino como o meu com tanta abastança, onde todo o mundo anda de arrebentar a pança, se não fossem medidas um tanto perigosas, decretaria o fim da democracia que é coisa enfadonha e dá azia. Em lucubrações desta natureza, às vezes a princesa se perdia. E por consequência, à imprensa seu fim daria. Mas o bom censo também ao ouvido lhe dizia: cuidado, o povo tendo festança, circo e caipirinha, de preferência geladinha, fica na sua, e melhor também será, pois, se ficares também na tua.

  Afinal, o povo tem tudo, gastar dinheiro do reino, não é preciso, para dar-lhe um canudo? Mais do que isso, convenhamos, seria um desperdício.

Ah, quanto aos velhotes aposentados são todos bem remunerados, ajustados seus valores em percentuais idênticos aos senadores e deputados, sim senhores!...

Reclamam é de barriga cheia esses grandes estupores...

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 10/03/2019
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