A fuga
Minha mãe mandou eu sair de casa - estranhamente os pais têm essa mania chata de tudo nos mandar ir embora justamente porque sabem que a gente não tem um puto nem pra ir pegar o ônibus pra se jogar da ponte -, e eu saí.
Não importa se eu esteja procurando emprego, não importa se eu esteja parcelando minha alma pro diabo, simplesmente eu saí de casa.
Eu não deveria ter saído de São Paulo. Aliás, estou tentando voltar pra lá.
Meu coração ficou lá, naquela cidade corrida onde ninguém para quieto. Onde os metrôs só dormem porque máquinas ainda não podem receber o título de workaholics.
Eu já pensei até em dar esse cu pra tentar ir mais longe, mas do jeito que meu corpinho tá fodido, capaz de eu ter que pagar pra foderem comigo.
Eu adoro tanto o realismo da vida, mas infelizmente, ele só fica bonito em textos.
Não diria que a vida é uma merda. Na verdade, a todo segundo eu tento descobrir quem é essa desgraça e toda vez chego na mesma conclusão: a gente só é feliz até antes de começarmos a lembrar do primeiro dia de aula, do primeiro dente-de-leite que foi jogado no telhado, da primeira surra, da primeira vez em que ficamos encarando o pinto minúsculo do primo no banho; depois daí vem só a desgraça porque com a vida, vem a memória das coisas que se aconteceram nela.