USO ESPECULATIVO DA RAZÃO.
"O uso especulativo da razão, relativamente à natureza, conduz à absoluta necessidade de uma causa suprema do mundo; o uso prático da razão, relativamente à liberdade, conduz também a uma necessidade absoluta, mas que é só a necessidade das leis das ações de um ser racional como tal.
{É imanente ao homem como ser inteligente valer-se da faculdade a si destinada. Para tanto deve ser trabalhada}.
Ora, é um princípio essencial de todo uso da nossa razão, estimular o conhecimento, que ela nos dá, até à consciência de sua necessidade (pois sem isso não seria conhecimento da razão).
{Sem estímulo a razão se contrai e permanece estacionária, sem avanço no conhecimento que a aperfeiçoa}.
Mas a mesma razão está igualmente sujeita a uma restrição não menos essencial, que consiste em a razão ser incapaz de perceber a necessidade daquilo que é e acontece, e do que deve acontecer, se não assenta como princípio uma condição, sob a qual a coisa é, acontece ou deve acontecer.
{Há um parâmetro condicional que a própria consciência como razão não percebe. A contraposição do que acontece diante do que devia acontecer}.
Deste modo, porém, mercê da constante busca da condição, a razão não pode ver senão que sua satisfação é sempre adiada.
{Nasce uma certa frustração que supera a razão}.
Pelo que, ela busca sem descanso o necessário incondicionado, e é obrigada a admiti-lo, sem meio algum de o tornar inteligível a si, sentindo-se já bastante feliz em só poder descobrir o conceito que se ajusta com esta suposição.
{Admite o que busca e não alcança, o incondicionado, e o aceita sem entendê-lo minimamente. Lhe basta supor.}
Não se deve, portanto, censurar a nossa dedução do princípio supremo da moralidade; deveria, antes, criticar-se a razão humana em geral, por não lograrmos explicar uma lei prática incondicionada (qual deve ser o imperativo categórico) em sua necessidade absoluta.
{Sem autoridade pois a censura por não se explicar o incondicionado. A razão humana em geral estaria vulnerável sob esse ângulo}.
Não nos podem, pois, censurar, por não querermos fazer isto mediante uma condição, ou seja mediante algum interesse estabelecido como princípio, porque, nesse caso, não seria mais uma lei moral, isto é, uma lei suprema da liberdade.
{Há sempre um interesse como princípio. A liberdade assim permite sem ofender a moral básica].
Assim, se não compreendemos verdadeiramente a necessidade prática incondicionada do imperativo moral, compreendemos todavia a sua incompreensibilidade, e é tudo quanto se pode exigir racionalmente de uma filosofia que se empenha por alcançar, nos princípios, os limites da razão humana."
COLCHETES NOSSOS.
Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Immanuel Kant, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. Companhia Editora Nacional