BELCHIOR... CORAÇÃO SELVAGEM !

BELCHIOR... CORAÇÃO SELVAGEM !

"Meu bem / a minha estrada / está aí

em frente (...)/ e o meu coração

selvagem / tem pressa de viver"

BELCHIOR (trecho de canção)

Um dia Belchior decidiu abreviar o "seu caminho", ninguém sabe bem porquê. Penso que foi o desgosto de ver uma obra de peso -- como a dele -- ser ignorada ou , pior, "trocada" pelo Rap paulista ou o Funk carioca. Ademais, as Gravadoras sempre foram oportunistas e as Rádios, eternamente vesgas, olham para um lado só, o do "povão" de gosto horrendo. Alguns creem que seu melhor disco teria sido o primeiro, "Alucinação", (de 1969?),capa refletindo o título, reafirmando o conteúdo da "bolacha" inteira. De minha parte, gosto muito de um LP "desconhecido", "Objeto Direto" -- capa branca, a relembrar Beatles ?-- que trazia 3 fotos autocolantes, para escolha dos compradores e músicas bastante sofisticadas.

Todos nós desconhecemos as influências musicais de Belchior, refinadas por êle enquanto Autor, mas quero crer que além de Bob Dylan, John Mayal e talvez o alucinado David Bowie (de "Ziggy Stardust from Mars"), êle deva algo de sua obra à Zé Ramalho e aos "histéricos" -- quase sempre Beatles, quem quiser que discorde, a opinião é minha ! Seja como fôr, foi um letrista admirável, com mensagem densa e definitiva, historiando e registrando em versos toda uma época desse país ingrato, injusto, cheio de desigualdades e preconceitos.

Recentemente, no Facebook, um espaço sobre ROCK acabou por citar Belchior... nada mais impróprio e "metaleiros" irados "detonaram" o cantor. A voz anasalada de Belchior não tem muitos adeptos, Chico Buarque também não, por motivos semelhantes. Fui em "socorro" do artista vilipendiado: "Belchior até quando é ruim É GENIAL"!

"Não preciso que me digam de que lado nasce o sol, pois é lá que está meu coração". "Eu era alegre como um rio (?!), um bicho, um bando de pardais... como um galo, quando havia galos, noites e quintais" "Não sou feliz, mas não sou mudo... hoje eu canto muito mais" !

É impossível pinçar apenas alguns versos, toda obra dele precisaria ser citada. Do disco LP "Objeto Direto", além de "Mucuripe", velhíssima, cantada em dupla com Fagner, temos "Aguapé" -- quase uma oração em versos, Fagner de novo -- a magistral "Ypê" num jogo de palavras muito criativo ("a gente quer ter / mas, querendo, erra... / pois o que se tem / é o que SE VIVE agora"!) e outra citando uma possível guerra nuclear, num discurso de história em quadrinhos. "Nós vamos morar / no mais alto andar / daquele edifício / que parece voar. / De lá vamos olhar / aviões que vêm vindo, / bombas explodindo / e corpos soltos no ar". A música "Como nossos pais" se eternizou na interpretação precisa de Elis Regina, outra vilipendiada nas Redes Sociais, tachada até de drogada. Contudo, Belchior -- exímio artista plástico e caricaturista -- ultrapassa rótulos e classificações !

Uma "ditadura" que empurra goela abaixo dos estudantes um Hino Nacional alienante e ultrapassado, em escolas sem banheiros decentes, bebedouros, estrutura, ar condicionado nas salas de aula e sem merenda agradável e suficiente, deveria sugerir o estudo da obra de BELCHIOR como matéria de Sociologia. "Esta casa não tem lá fora, / a casa só tem lá dentro / 3 cadeiras de madeira, / uma sala, a mesa ao centro. / Rio aberto, barco solto, / pau d'arco florindo, à porta... / sob o qual ainda a pouco / eu enterrei a filha morta. / Aqui, os mortos são bons / pois não atrapalham nada... / pois não comem o pão dos vivos, / nem ocupam lugar na estrada"! (E o côro canta:) "Nada, nada, nada... / aqui não acontece nada, não ! / Nada, nada, nada... / nada, absolutamente nada"! (in "AGUAPÉ" - trechos)

"Medo, medo, medo... cada um guarda mais o seu segredo"! Havia medo nos anos 70, por conta da Ditadura... 50 ANOS depois o medo continua, agora por causa da insegurança geral. O que MUDOU no país em meio século ?! Me diga você !

"NATO" AZEVEDO (em 3/mar. 2019)

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EM TEMPO: a jovem artista ANA CAÑAS neste fim do mês de agosto/2023 com um show em homenagem a BELCHIOR... em entrevista para o jornal O LIBERAL DE 1º/set. 2023, no caderno CULTURA ele fala sobre o que sente e canta:

Para a cantora, uma das maiores genialidades do homenageado Belchior é o dom de transcender gerações. "Em cada show que fazemos, recebemos públicos de todas as idades, classes sociais em shows gratuitos ou pagos, gêneros, tudo! É maravilhoso! Sua poesia toca o coração e faz a mente pulsar. Seus versos são motes existenciais, são bandeiras amorosas e incisivas. É um legado muito poderoso e atual".

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Ao ser questionada sobre o repertório do show e a diversidade na obra de Belchior, Ana foi enfática:

"O caminho escolhido para o repertório foi o meu coração. A bússola foi o amor que tenho pelas minhas favoritas. Ele é um compositor muito profícuo, tem material vastíssimo. Então, fui escolhendo as que mais me emocionam num plano pessoal"!, explicou. Ana afirmou ainda que não há como pretender emocionar alguém sem que isso aconteça em nós, intérpretes. Belchior exige entrega, verdade e catarse absolutas", declarou.

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"Encontrar palavras para o indizível é uma artesania outra, o aprendizado continua imenso ao interpretá-lo. É muito amor pelo Artista e também pelo ser humano, ANTÔNIO CARLOS BELCHIOR"!, concluiu a artista. (in "O LIBERAL)