SERTÃO EM TODA PARTE (Cont.)
1---Essencial na cultura brasileira ("O cangaceiro", jan./53, filme brasileiro, roteiro de LIMA BARRETO e RACHEL DE QUEIROZ, mistura de faroeste nordestino com drama romântico, primeiro longa brasileiro a ser premiado em Cannes), a região ressurge em livros, na telinha, na telona e no palco.
2---Hoje, denúncias quando fala de corrupção e agrobusiness, crescimento econômico desordenado, atualizando o imaginário de quem nunca foi/turistou/viveu "lá" - as tradições ancestrais opressivas, ou seja, condenação do mito arcaico em diálogo com o desejo da contemporaneidade: honra do sertanejo forte e cheio de fé, sensualidade, canções do sanfoneiro, onças, atuais redes sociais ali forçadamente aclimatadas. Mudanças?!... Sertão e deserto com simbologias próprias, raízes. Sertão da terra escura, seca, árida, espinhosa, rude, veredas poucas. Limites. Nem sempre folclore dos estereótipos encarnados. O lado arcaico reserva uma tradição escravocrata, machista, de agricultura irresponsável, religiosidade e crenças/crendices ainda dominantes, violência - em especial sobre a mulher - e feminicídio, "palavra da moda". Algumas atualizações: extinguiram-se os cangaceiros, a cultura dos vaqueiros enfraqueceu, a arte dos seleiros e das sandálias quadradas de Lampião aposta agora em artesanato e bolsas/sandálias femininas. No cenário histórico, pouca presença feminina - no contemporâneo, mulheres se fortaleceram e resistem a eles: e ela hoje é cantora, compositora, acordeonista, percussionista e artista circense.
3---Mil sertões, simultaneamente palpáveis e místicos, obras de diversas naturezas e linguagens:
"Boi neon": cenário atual de uma estranha prosperidade econômica, regendo novos signos, novas relações humanas, afetos e desejos; transformação da paisagem humana, ambiguidades / "Cabaré do xote moderno": atmosfera de uma taverna no sertão do Cariri / "Cordel do fogo encantado": na música da banda, a ideia do sertão vivo-dinâmico-mutante em oposição a um sertão arcaico e museológico; novos ritmos, não reprodução dos tradicionais / "Grande sertão: veredas" - "o sertão está em toda parte", "o sertão está dentro de nós" (J. G. Rosa); não o sertão tal como é, mas sugerido pelos gestos e voz dos atores, evocado-complementado pelo espectador / "Onde nascem os fortes": terra árida, opressão masculina e mulheres fortes; em xeque, esse 'equilíbrio' (?) de forças / "Suassuna, o auto do rei do sol": musical visita o universo de Suassuna, cruzando a alegria do circo e do maracatu com a violência e o drama sertanejo; atual contexto político de disputa do poder e desprezo pelo povo.
4---"Contradição explosiva: urbano e rural, moderno e tradicional. A cada século, o sertão deixa de ser uma região geográfica (...) agora paisagem cultural, conjunto de imagens-narrativas-valores (...) o sertão simbólico se espalhando (...) no século XXI não tem cangaceiros e beatos, mas tem traficantes de drogas e seitas evangélicas (...) contaminação via TV e Internet (...) Ariano Suassuna dizia que o mundo do sertanejo estava mais próximo de samurais japoneses que de caubóis norte-americanos. Valores que envolvem austeridade, lealdade, espírito coletivo, autoridade, obediência, amor próprio, serenidade na fartura, estoicismo na fome. (...) o tradicional repele a cultura urbana que traz o culto ao consumismo, à busca do prazer, à fugacidade das relações, à quebra da palavra dada, à ostentação, ao egoísmo. (...) Por outro lado, quebra a rígida verticalização entre as classes, entre adultos e jovens, expande espaços de poder de quem nunca teve direito a voz. (...) Essa mescla de valores fornece a energia dramática a uma literatura de inspiração sertaneja (...) explora a contradição crescente no interior de um sertão que se expande como símbolo idealizado enquanto recebe a contaminação imaterial do mundo que o cerca." ----- Bráulio Tavares, escritor-poeta-compositor -- resumo.
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LEIAM meus trabalhos AUTO DA COMPADECIDA e LAMPIÃO & MARIA BONITA.
FONTE:
"Sertão novo" - Rio, jornal O GLOBO, 19/5/18.
F I M