VOLTANDO A J. G. ROSA

Os grafismos cabalísticos foram concebidos por GUIMARÃES ROSA e executados por POTY para as orelhas de "Grande Sertão: Veredas", alguns desenhos não aproveitados e identificados pelo desenhista - ROSA sugeria os motivos, mas não fornecia nenhuma explicação. ----- Uma edição atual (1987) da obra do autor mineiro acendeu polêmica entre IVAN TEIXEIRA, ensaísta e bibliófilo, colecionador de todas as primeiras edições, e VILMA GUIMARÃES ROSA, filha e herdeira de ROSA - no meio da polêmica, o protagonista: o sertão. ----- IVAN: "Diferentes versões gráficas, outra editora, concepções puramente industriais despersonalizando a obra, o sertão desenhado por Poty com a supervisão de Rosa virou um sertão pasteurizado, cenário rude e brutal, não mais poeticamente pessoal, maquilado com mau gosto. Em "Grande sertão", há uma supressão no desfecho da obra, pois Rosa pensou num "oito deitado", sinal de infinito no arremate do texto, após a última palavra, "Travessia" - a atual editora ignorou, desconheceu o embricamento entre forma e conteúdo, desrespeitando obra e leitor." X VILMA: "Edição formidável das obras de meu pai! Padrão atual mais moderno, visual rejuvenescido nos livros e a mudanças nas capas ocorre no mundo todo, com autores clássicos. Mudança atrai o leitor mais jovem; bonito também "Grande sertão" como seriado de tevê. Capas belíssimas com todo o apoio da família - interessa o que ele escreveu, não o que está em volta."

"Pão ou pães, é questão de opiniões." Ele cunhou a frase, inscrita em "Grande Sertão" (1956), referindo-se ao sertão, frase que uns vinte anos depois adquiriu tom irônico e aforismático, metalinguisticamente apontando para o 'locus' roseano.

Sobre os desenhos, certa vez ele passou cerca de sete horas ao telefone com o desenhista POTY, trocando ideias sobre a capa de "Corpo de baile" (posterior desmembramento em três volumes autônomos: "Manuelzão e Miguilim", "No Urubuquaquá, no Pinhém" e "Noites do sertão").

"Grande Sertão"... Baladas são poemas narrativos-épicos-líricos, gênero híbrido e mesclado, onde quase sempre se conta um encontro fatal. Nessa balada decisiva, o encontro de RIOBALDO com a poesia lírica, a imaginação romanesca da jagunçagem e o mundo das armas. A partir dai ele vai ser poeta e fazer versos, alma com lado das letras e do imaginário guerreiro. E na cantiga, a continuidade de sua vida, que é na verdade em encontro imaginário com a moça virgem - o Menino, que é o combatente Reinaldo, o leva para o lado das armas, na verdade era uma moça virgem, revelada no desencontro fatal, como DIADORIM. Ela morre no combate decisivo com o jagunço demoníaco Hermógenes, o diabo solto no meio da rua, no redemoinho, no meio do arraial do Paredão - revelação do desencontro total da vida de Riobaldo, agora inalcançável, irremediável, fim trágico do romance. Esse jagunço, narrador oral (aquele que tem o apoio da tradição, o saber comum) conta sua vida para entendê-la, refazer o percurso em busca do sentido da vida - o romance é a busca de um sentido impossível; desde que aparece, travessia fadada ao fracasso. O livro é um labirinto, o começo é sempre adiado, falta de começo e de fim. História de aprendizado que repete a travessia do Rio São Francisco: aprende-se que não temos resposta para as questões essenciais e erramos num mundo em desconcerto. Um dos 'leit-motive' que atravessam o livro é que "viver é muito perigoso!" Ao final do livro, esse 'leit-motive' se volta contra si mesmo para expressar sua verdade última. Narrador: "Viver - não é - é muito perigoso. Porque ainda não sabe. Porque aprender a viver é que é o viver mesmo."

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Mais de 50 anos acreditando nas brincadeiras de ROSA... Tímido, só relaxava quando se reunia com POTY, responsável pelas ilustrações de todos os seus livros. O ilustrador e artista plástico curitibano se diverte ao lembrar as instruções esquisitas, aparentemente absurdas, do autor. Emocionado ao ler "Magma" para ilustrar o livro. //Uma vez, ele me encomendou um sapo tocando flauta, o casamento do camarão com a lagosta. Nada a ver com a história, mas hoje acho que aflorava o universo começado a criar em "Magma".// Os pedidos nonsense de ROSA acabavam desenhados dentro de um círculo, como se fossem medalhas, "unidades fechadas dentro de cada livro, como ilhas vindas do passado". ROSA discutia as ilustrações durante horas. Para a edição de "Corpo de baile", recomendou: "A mulher em trajes de montaria deve ter cara de desquitada." Coisa difícil de conseguir, mas POTY acabou agradando.

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FONTES:

"O sertão no meio" - Boletim LEIA - ano X, n. 109, nov/87 --- "Poty e a mulher com cara de desquitada" - Rio, jornal O GLOBO, 13/7/97.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 03/03/2019
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