Ela, a minha cadela.
Ela seguia meus passos naquela noite chuvosa e não tive coragem de deixá-la do lado de fora.
Lica foi o nome escolhido para a cadela que substutuiria Meg, a encantadora Meg.
Seu corpo, enlameado pelo tempo, denunciava a necessidade que eu tinha de adotá-la. Seus pelos acinzentados cobriam seus olhos avermelhados pelo sofrimento de vida de cachorro, um ser irracional, que pelo seu instinto demonstrava o sexto sentido tão desejado pelo homem.
Lica aos poucos se tornou o xodó da casa e recebia de toda a família o carinho e respeito, pois descobrimos que uma de suas sensações eram como uma das nossas, a ansiedade, e a nossa chegada a deixava saltitante e até mesmo emocionada.
Eu achava engraçado a sua tentativa de espantar os pássaros que tentavam alcançar o seu delicioso pote de ração localizado sob a pequena árvore do quintal que a sombreava nas tardes quentes de verão.
E num desses dias surgiu em seu território um gato a consumir seu precioso alimento e quando percebi a presença daquele intruso sujo e maltratado, o expulsei a chineladas a cobrar um ínsito natural de Lica que somente observara a cena mansamente.
O animal não desistia e a cada dia que eu o expulsava, percebia o seu corpo mais esquelético e tentava entender a reação daquela que tinha o papel de enxotá-lo.
Resolvi então deixar a natureza animal resolver o problema e assisti à cachorra quando compartilhava com o gato a sua comida, e depois a sua água, e depois a sua cama, e depois o nosso afeto.
" Alguns animais são mais solidários que os homens e seus sentidos aguçados superam a irracionalidade a mostrar que somos apenas intelectos, com poucas possibilidades de se comover com o sofrimento do outro"