O CARNAVAL E SEUS ESPANADORES
O carnaval de 1963, aconteceu de 23 de fevereiro ao dia 27, a quarta-feira de cinzas.
Eu estava morando na casa de minha madrinha e tia avó Zilda, um dos primeiros familiares a ter televisão. Lembro que assisti ao concurso de fantasias. Talvez Clóvis Bornay e Evandro de Castro Lima, também estivessem por lá. Sempre presentes em concursos de fantasias de carnaval, com muito luxo e até lindas penas e plumas de aves. Pena que o colorido só estivesse presente somente na revista o Cruzeiro, que também por lá eu tinha acesso.
Algumas fantasias eram tão pesadas que os concorrentes pareciam escafandristas no fundo do mar.
Empolguei-me com os emplumados e dei-me conta que poderia retirar algumas penas e plumas do espanador da madrinha e utilizar para enfeitar alguns índios que fiz de argila, na escola Gabriela Mistral, ainda na rua São Manoel, onde eu cursava o segundo ano primário, quase em frente da casa de madrinha. A modelagem aconteceu para homenagear o dia dos índios mais de um mês depois da festa pagã.
Cuidadosamente escolhi as penas mais coloridas, cortei em pedaços e inspirado numa imagem do caboclo Tupinambá, do culto umbandista, imagem que postava-se sobre o guarda-roupa de vovó.
Pronto, lá estava a família indígena enfeitada, exceto o indiozinho.
Zilda reclamou que algum bicho podia ter roído as penas que faltavam, dizendo que poderiam ser camundongos.
Silenciosamente apanhei as modelagens e coloquei numa prateleira, junto com peças mecânicas da camionete Ford, dos anos 1940, mista de metal e madeira, que pertencia a Irineu, esposa de Zilda.
Passados alguns dias, Irineu, encontrou a família indígena que eu havia modelado e fez um escândalo, daqueles reservados, que os gritos não passavam da cerca dom pátio. Muito supersticioso, reuniu Zilda, vovó, eu e o Jerry filho único dele com Zilda e referiu-se a minha obra de arte, como um vudu. Para ele, alguém estava querendo fazer-lhe mal, pois tinham espetado um palito no boneco homem. Claro que era o arremedo de lança que eu havia improvisado.
Timidamente disse que eu havia feito na escola os bonecos para homenagear o dia dos índios, e como tinha pego as penas do espanador, escondi ali na prateleira. Sem jeito Irineu calou-se, mas depois dos elogios graciosos da madrinha ele passou a mão em minha cabeça e também elogiou-me. Tudo gracioso, porque, hoje observando a vitrine da memória tenho certeza que os modelados poderiam ter ficado melhor.
Hoje, poderia modelar e enfeitar com diversas penas e plumas obras primas da natureza, que as trocas das aves deixam cair, principalmente as caturritas que habitam ninhos, lá no alto de um pinheiro, no pátio do vizinho!
Elas, as caturritas, voam para lá e para cá, não como blocos de carnaval, mas como esquadrilha verde e amarela.