Sobre livros, livreiros e afins

Há muitos anos visito os livreiros de minha terra; algumas horas tenho passado compulsando os livros na Camões - da solícita Dina - , na Pedro II - do monarquista Jean-, na Academia do Livro - do laborioso Walter Madalena. Este último, juntamente com o irmão Salvador, ajudou a escrever seguramente importante capítulo da história do livro em Juiz de Fora, assunto que provavelmente, com merecidas honras e reverência, já terá sido abordado em matéria jornalística deste município.

Os leitores mais velhos certamente não nos esquecemos da avalanche cultural proporcionada por Salvador e Walter, na antiga livraria Península, palco de lançamentos de autores famosos e de visitas da intelectualidade local. O mais ilustre leitor (rendo-me ao estereótipo da fama) foi certamente o ex-presidente Itamar Franco. Quando ele assumiu a presidência, em 1992, a imprensa facilmente descobriu o Salvador, que falou para o Brasil, no horário nobre, sobre as leituras preferidas do novo mandatário.

Hoje, Salvador ensina sobre vinhos (um enólogo, sejamos escorreito, pois ele é também amante das palavras) e Walter continua seu ofício de semeador cultural, na Academia do Livro, instalada na Casa de D’Itália. Frequentador assíduo das prateleiras, compulso livros e livros, e até leio alto pequenos trechos, que comentamos ou apenas aplaudimos com olhar de aprovação.

Foi nesta quinta, deste fevereiro que se finda, que eu olhava livros e me veio dividir com o Walter um pouco da história da Península. Foi quando nos lembramos do Itamar – aquele presidente que fez questão de entregar cópia de sua declaração de renda ao Congresso Nacional. Walter contou-me que guarda a preciosidade da dedicatória que o presidente lhe fez em um livro no qual o autor, José de Castro Ferreira, relata a vida do amigo que o fez ministro. Contei ao Walter que também o Sílvio, cabeleireiro que por anos se instalou na Brás Bernardino, contou-me que, possivelmente na última vez em que o então senador aparou o topete, ele, já cansado da doença que talvez o acometesse, não dedicou ao profissional da tesoura aquela atenção costumeira, acompanhando-o no café e, por estar exausto, pediu desculpas e se retirou...

Falamos mais um pouco do ex-presidente. Lembrei-o no Braseiro, tomando chope, no tempo em que o senador – chegando de Brasília - passava solitário pela Rio Branco e ia molhar a garganta. Itamar, hoje, lembro-me agora, descansa em cinzas no Municipal, na parte baixa da necrópole, a alguns (talvez centenas - não sei!) metros do pórtico. Certa feita, no Finados, visitei o local histórico e ouvi de um homem negro e já idoso - que o servira em Juiz de Fora - muitos elogios ao presidente. Direi mesmo que o homem falou com saudade e que o relato, surgido sem que nada eu lhe perguntasse, era seu jeito de agradecer. Imagino-o a repetir-se em muitos outros Finados, se Deus quiser...

Mas voltemos às prateleiras da Academia do Livro. Acho Cora Coralina. Walter, ouça:

- “Mulher da Vida, Minha irmã./ De todos os tempos. / De todos os povos. / De todas as latitudes. / Ela vem do fundo imemorial das idades / E carrega a carga pesada / dos mais torpes sinônimos / apelidos e apodos: / Mulher da zona, / Mulher da rua / Mulher perdida, / Mulher à toa.” Walter, ela diz “Minha irmã”. Este é meu. Separe, por favor.

Ao lado de Cora, está Lya Luft, de quem, aleatoriamente, leio “Nós, os brasileiros”, pequena crônica em que a gaúcha fala de como somos desconhecidos lá fora’. “- Que maravilha! Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cultas!”, exclamou um antiquário famoso, em Amsterdam, após ouvir trechos de um dos romances de Lya, traduzido em inglês. Crônicas e crônicas...

- Walter, a Lya é minha também.

E assim chegou-se a mais uma compra pequena de grande literatura. Na primeira oportunidade que houver, esses livros serão indicados para aqueles que ainda me ouvem nas muitas aulas que vou transferindo. É possível mesmo que os indique sem tê-los lido integralmente. Afinal, creio eu, mais importante do que ensinar é instigar. Viram o filme “Uma professora muito maluquinha”, criação genial de Ziraldo, estrelado pela cativante Paolla Oliveira? Lembro-me aqui de uma cena em que os meninos ficam procurando no globo um país que não existe. Procuraram até não achar e aprenderam tantos países! Talvez até muito mais do que os conhecidos pela mestra maluquinha. Uma cena que vale por uma aula de didática...

Falamos de livros e afins, certo? Entremos na banca de jornais do Carmine, na Batista de Oliveira. Carmine é vendedor, que lê. Ricardo Boechat e Roberto Carlos estão em capas de revistas. Falamos sobre os dois personagens, sobre a vida do rei, sobre o grande comunicador que se despediu dos brasileiros. Observei que a revista estava fina, muito fina. Carmine filosofou sobre a decadência do texto impresso; ele, que por anos eu vi, lendo e analisando os jornais que vendia... Sinal dos tempos! Sou daqueles que me rendi ao computador, mas prefiro ler e marcar a lápis no velho e bom livro...

Bem, essa história vai se alongando e alguns personagens aqui citados ainda me visitarão em outras ocorrências. Espero...

Hora de engraxar os sapatos. Carlinhos está a postos e fará, como sempre, um belo trabalho. Com ele, converso sobre o brilho – dos sapatos e das mulheres que enfeitam o dia a dia do Calçadão. Nunca falamos sobre livros. É inteligente e já me contou da alegria que teve ao dar entrevista para a tevê. Ali, na esquina da Halfeld com a Batista, ele, de repentemente (como disse!) foi abordado por repórteres que queriam saber sobre o atentado a faca, sofrido pelo futuro presidente, Jair Bolsonaro. Diz ele que manteve a calma, mas apenas pôde dizer que nada viu que não tivessem visto.

Indaguei-lhe o que responde quando lhe perguntam o que está achando do novo governo.

- Os clientes antigos já conhece a gente. Sabe o meu lado.

- Mas e os novos, Carlinhos?

- Bem, aí eu preciso ir conversando pra saber o lado dele. Se não for o meu, mudo de lado. Tenho que garantir o leite das crianças.

E pensar que Carlinhos nunca foi à Dina, ao Jean, ao Walter...