O VINHO E A MENTIRA.

Montaigne definia o vício da embriaguez: grosseiro e brutal, destruidor da alma e do corpo. Entende o vinho como alimento.

Um bom bebedor não deve ter gosto refinado com extravagâncias, muito menos ser o que chamamos de enochato, que pouco bebe pelo sabor e mais pelo rótulo e preço. Seleção cuidadosa do vinho, sem perder a distância da qualidade, não é ser pernóstico e afetado.

Quem gosta de vinho pelo sabor sincero e exclusivo saberá o que é bom sem grandes dificuldades. É preciso, portanto, “conservar o gosto mais despretensioso e mais livre”, como sinalizava Montaigne.

Um dos melhores vinhos que bebi era produzido em um quintal na Itália, não era comercializado.

A melhor maneira de apreciar o vinho é com a comida, pois sem dúvida a completa. Dionisio, Deus do vinho, devolve aos homens alegria e restitui a juventude aos velhos, fornecendo temperança à alma e saúde ao corpo. Sempre é bom ler o homem que inventou os “ensaios” e soube discorrer sobre como viver a vida.

Não sei ficar mais de vinte dias fora de meu chão. A saudade aperta. Passar em frente ao pedaço de terra onde nasci nas minhas diárias romarias. Esse é um vício.

Em uma de minhas viagens quando da volta, no dia em que viajaria de noite, enquanto minha mulher arrumava suas compras e se arrumava, não tendo eu ido também em restaurante com pitoresca história sobre o vinho, disse a ela, vou almoçar lá já que não fomos e você está envolvida com suas lembranças para filhos, netos etc. E fui.

Era o restaurante Lucas Carton em Paris, próximo a Madeleine e ao nosso hotel. Beleza de interior "art noveau". Sem reparos em tudo. Atendimento e gastronomia.

Faz tempo um homem entrou com sua companhia feminina no conhecido Lucas Carton, no mesmo lugar que está hoje sem alterações. Pediu uma garrafa de "Mouton Rothschild", safra de 1928.

Coisa para eleitos...

O sommelier, não trouxe a garrafa como de praxe para exibi-la ao cliente, mas o "decanter" de cristal cheio de vinho e, depois de uma mesura, serve um pouco no cálice para o cliente provar.

O cliente, em ritual, nobilíssimo vinho, leva o cálice ao nariz para sentir o aroma, fecha os olhos e cheira o vinho.

Com fisionomia transtornada, com expressão muito irritada, devolve o copo à mesa e exclama severamente com energia:

- Isso não é um Mouton de 1928!

O sommelier insiste que é. O cliente devolve não ser, agora com rispidez.

Surge o entrevero, cerca de 20 pessoas se acercam, incluindo o "chef de cuisine" e o gerente do hotel, somados ao sommelier para convencer o intransigente consumidor de que o vinho é mesmo um Mouton de 1928.

Alguém resolve perguntar como sabe, com tanta certeza, que aquele vinho não é um Mouton de 1928. - O meu nome é Phillippe de Rothschild, diz o cliente modestamente, e fui eu que fiz esse vinho.

Consternação geral......

O sommelier então, de cabeça baixa, dá um passo à frente, tosse, pigarreia, o suor brota em sua testa e, consente, que serviu na garrafa de decantação um Clerc Milon de 1928, mas explica seus motivos:

Desculpe, mas não consegui suportar a ideia de servir a nossa última garrafa de Mouton 1928. De qualquer forma, a diferença é irrelevante.

Afinal, o senhor também é proprietário dos vinhedos de Clerc Milon, que ficam na mesma aldeia do Mouton. O solo é o mesmo, a vindima é feita na mesma época, a poda é a mesma e o esmagamento das uvas se faz na mesma ocasião, o mosto resultante vai para barris absolutamente idênticos. Ambos os vinhos são engarrafados ao mesmo tempo. Pode-se afirmar que os vinhos são iguais, apenas com uma pequeníssima diferença geográfica.

Rothschild, então, com a discrição que sempre foi a sua marca, puxa o sommelier pelo braço e murmura-lhe ao ouvido:

Quando voltar para casa esta noite peça à sua namorada para se despir completamente. Escolha dois orifícios do corpo dela muito próximos um do outro e faça um teste de olfato. Você perceberá a sutil diferença que pode haver numa pequeníssima diferença geográfica.

Bela história não? E um grande azar.....E um notável ensinamento, não faça discurso sem saber quem é seu interlocutor, e sobre o que não conhece verdadeiramente, mentindo.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 28/02/2019
Reeditado em 28/02/2019
Código do texto: T6586624
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