Cascata

As pequenas gotículas de água que o vento trazia até nossos rostos refrescavam o ar a nossa volta. Parece que ainda posso senti-las. As árvores em volta da cachoeira davam a sombra adequada pra que nosso passeio fosse delicioso.

As quedas de água faziam uma grande piscina natural. A prefeitura Municipal de Ibiraçu com a ajuda de alguns moradores da redondeza, fez uma parede grossa com pedras e cimento, de forma que, tapando o buraco que deixaram para dar vasão quando fosse necessário, a água subia e dava pra gente tomar banhos deliciosos. A piscina se dividia em duas partes: uma funda e outra rasa. No centro, entre as duas, havia uma pedra grande e comprida que a dividia ao meio. Na parte rasa existia muitas pedras que dificultavam o banho das crianças. Atualmente a prefeitura retirou as pedras, liberando a área. As crianças ainda estão se divertindo muito ali.

Quando criança diverti-me muito ali. Subíamos no paredão de rocha de onde deslisava a água e saltávamos de cabeça dentro da parte funda. Vez por outra alguém se feria gravemente dando de cara com uma pedra. Era o desespero de nossas mães.

Havia uma trilha dentro da mata que subia desde a cachoeira de baixo até a cachoeira do meio. Ali o barulho das águas caindo na pedra era nossa constante companhia. Parecia música. Os pássaros diversos, que só por ali a gente via, dentre eles o sabiá da laranjeira, o sanhaço cantador, e o som mavioso do curió arteiro imitando vários pássaros.

O cheiro de limo, folhas velhas molhadas, misturado aos cheiros de jaca madura e estragada e de outras frutinhas silvestres, também eram uma constante naquela trilha. Adoro essa mistura de cheiros.

A alegria e a algazarra pairavam entre nós, estando por ali. O passeio era por demais gostoso e a gente ria de qualquer coisa, principalmente de quedas pois, tínhamos que ter muito cuidado ao subir pela trilha. Vez por outra escorregávamos em pedriscos e era comum cairmos e voltarmos alguns passos abaixo. Joelhos e cotovelos ralados e algumas lágrimas teimosas seriam o resultado desse descuido. Mas também era motivo de rir muito do descuidado e de ter histórias pra contar das aventuras vividas naquele dia. Tudo acabava em gargalhadas. Até o descuidado que caíra ria conosco no final.

As folhas secas na trilha, iluminadas pelos pequenos fachos de luz do sol, que passavam por entre as folhas da mata, pareciam lindas assim iluminadas. Mas as vezes essas folhas se tornavam um perigo para escorregar. Bastava que chovesse a noite sobre a mata ou ventasse a ponto das gotas de água da cachoeira as alcançar. Molhados pelo

banho na cachoeira de baixo, também faríamos aumentar o perigo de escorregar e cair.

Poderíamos subir pela estrada voltando uns 500 ms e subindo outros 500 ms, mas o divertido e que aumentava a adrenalina, era passar pela trilha e visitar um pé de jaca que havia uns metros a direita da trilha.

A gente sempre tirava os calçados para subir a trilha, pois a aderência dos pés era melhor sem eles para a subida um tanto íngreme, e vez por outra esquecíamos os calçados no pé de jaca. Isso nos valeria uma surra, ou na melhor das hipóteses, um bom esporro, pois o dinheiro era curto pra ficar comprando calçados e perdê-los por aí em aventuras.

Falando em jaca é bom que se explique pois alguns não sabem que fruta é essa. A jaca é uma fruta grande de aproximadamente uns 6 kg algumas chegando a uns 10 kg. quando se abre a fruta tem uma sequência do talo e em volta dele tem favos verdadeiros grossos e suculentos e favos falsos em forma de finas embiras todos cobertos de cica (conforme a maturação do fruto era mais ou menos cica). Tem a casca áspera como se fosse coberta por pequenos cones minúsculos. Ali conseguíamos alguma jaca madura e voltávamos a trilha para chegar a cascata do meio.

Lá chegando, abríamos a jaca e comíamos com prazer. Caso não tivéssemos a sorte de ter encontrado a fruta madura na jaqueira da trilha, na cascata do meio não havia jaqueira mas acima uns cem metros da estrada tinha outra que certamente teria. A jaca dura madura lembrava favos de mel. Era mais difícil de abrir mas sempre algum espertinho trazia uma faquinha ou achava um pau pontiagudo com o qual conseguia abrir a jaca. Ainda me lembro quão doces eram aqueles favos. Nunca comi outros iguais em toda a minha vida. Não sei se pelo gosto de aventura misturados a ela, ou porque realmente eram muito saborosos. Naquela região da cascata havia jacas de todo o tipo e deliciosas. Jacas moles que se chamavam Mel mais fáceis de abrir estando maduras e jacas pirão que não eram duras nem moles de vez. A jaca tem uma cica viscosa que gruda na gente e por isso as vezes grudava os cabelos, mãos e bocas. difícil era tirar a cica ali no meio do nada. Mas em casa era só passar óleo de cozinha e esfregar que a cica derretia. Depois era passar detergente e lavar que estava resolvido. Mas enquanto não chegávamos em casa tudo grudava na cica. Era normal a cica chegar em casa com sujeiras e ficávamos com o rosto e mãos parecendo que esfregamos pelo chão.

Na cascata do meio a piscina era arredondada e a natureza a fez do jeito que conhecemos. Um pouco funda próximo da descida da água e rasa na foz para a cascata de baixo. Muitos se aventuravam a descer escorregando pela cachoeira para cair dentro dela. A maioria ficava sobre a pedra tirando fotos com as pequenas máquinas Xereta e chupando mexericas colhidas no sítio do Cao onde também tinha um rio que dava origem a todas as cascatas. Adorava ir ao sitio deles. As jacas de lá era maravilhosas e a acolhida era melhor ainda. Ele e a esposa eram muito carinhosos com os visitantes e principalmente com as crianças. Muitas vezes deixavam seus afazeres para tirar jacas para as crianças. O Riozinho era estreito e seu fundo era de areia branca com pedra inteira. Na verdade, um paredão de rocha era o leito dele. Nadar ali era tudo de bom. Muitos de nós aprendemos a nadar ali. Minha amiga Marilza Cao ainda mora lá com alguns sobrinhos e irmãs.

A volta pra casa era muito longa. Parecia-me que aumentava a distância. O cansaço batia em todos. A turma era grande, nove irmãos e mais alguns amigos que sempre iam com a gente, mas apesar disso ninguém queria levar a jaca. Sim porque levávamos uma jaca bem grande pra casa , é claro. A brincadeira do par ou ímpar é quem decidia quem levaria o primeiro pedaço do trajeto de 2 km. Depois íamos revesando até chegar em casa. As brincadeiras pelo caminho diminuía a distância. Chegamos a nos aventurar passar pelo morro cortando caminho pra chegar mais rápido. Mas foi uma aventura desastrosa aquele dia. Havia uma boiada no pasto e só vimos depois de passar debaixo de uma cerca de arame. Os bois enfurecidos vieram em nossa direção a mil por hora. Foi uma gritaria daquelas. Quem passou primeiro na cerca desatou a rir e os outros se desesperaram tentando chegar na cerca e passar na cerca sem ajuda. A sorte foi que os bois, não sei porque cargas d'água, pararam próximo a elas que conseguiram passar sem eles atacarem. A ida pra casa foi mais demorada, pois tivemos que descer novamente o morro e reiniciar o caminho do ponto em que subimos.

Lembro que uma vez colhemos uma jaca enorme na estrada e foi difícil levar. Ninguém sabia que a jaca era chamada Jaca Prata. Quando chegamos em casa a jaca tinha dois favos. Que decepção! Nunca mais colhemos jaca naquele pé.

As cachoeiras ou cascatas como as chamamos, deixaram saudades. Atualmente exitem, mas a água anda escassa. Quando chove a piscina fica cheia, mas logo depois vai secando e ficamos na torcida que chova logo para a água voltar a encher as piscinas. Quem curtiu a cascata na nossa infância sabe o que é bom. Como disse meu professor e amigo senhor Narceu de Paiva Filho em Seu livro sobre Ibiraçu: "Quer viver, recordar, vem conhecer a cascata..."

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 27/02/2019
Reeditado em 28/02/2019
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