DONA MORTE LTDA.. CRôNICAS DE UMA CIDADE PEQUENA
Dona Morte Ltda.
O único tempo do meu dia que dedico a pensar sobre a morte é quando diariamente passo na frente da única funerária de minha cidade, é a rota mais rápida para chegar a escola e quando passo em frente aquele lugar, sempre vejo um senhor tomando chimarrão. O interessante é que do meu ponto de vista ninguém deveria representar a morte por caixões, até porque se ouve muito o fato de a morte ser a transcendência do material para o espiritual, mas ainda assim, passando em frente aquela funerária é o momento único do dia em que penso nessa senhora morte, que me desculpe Lya Luft, mas a morte não está no canto de meu quarto...
Passando ali, muitas vezes em companhia de colegas, rimos e gargalhamos, mas naquele lugar todos param e olham para dentro, outros atravessam a rua. Muitas de nossas gargalhadas já foram interrompidas por choros e corpos, por velas e coroas, então será que a vida resume-se a esse terno de madeira cuidadosamente enfeitado com flores?
Na Idade Média, as flores eram ofertadas aqueles cuja vida era atacada pela temida Peste Negra, para que as flores pudessem, com seu aroma fresco, atenuar o cheiro pútrido e de carnificina que infestava casas, ruas e pessoas. Hoje, do alto de meus dezessete anos e alguns dias, prefiro ofertar flores aos vivos, não levá-las a um campo de concreto e de restos que são os cemitérios. Os vivos poderão sentir a doçura e a delicadeza das pétalas da rosa, retribuir-me o presente com um sorriso, um agradecimento, até mesmo com um cafezinho.
O restante dos meus minutos, eu busco viver, mesmo que seja em frente de uma enorme conta de álgebra, ou andando apressado por essas bucólicas ruas, busco levar sempre comigo a beleza da vida, a ternura da existência, a felicidade de ter uma vida inteira pela frente. Ainda assim, me pego sorrateiramente reclamando, ás vezes daquilo que pode ser consertado, mas naquela funerária, as pessoas vão para resolver algo que não pode ser resolvido, é nos emolumentos fúnebres que encaramos a realidade, que nada é eterno, que as pessoas vão e por incrível que ainda nos pareça, não levam nada consigo.
A não ser, é claro, um caixão adornado com delicadas figuras, que servem apenas para tornar o momento místico e nefasto. A verdade que cheguei até agora é que as pessoas realmente são muito frágeis, apressadas e confusas, e eu me incluo nessa louca ciranda de emoções. Reservo um tempo para pensar na morte todos os dias, e na vida apenas nos momentos de morte. Será que não estou deixando a ampulheta da vida girar muito depressa e sem minha devida supervisão?
E aquele senhor que toma chimarrão perante caixões parece me um rei, aquele que deve pensar consigo mesmo que um dia todos serão seus clientes nessa cidade tão pequena...