Quadro
Há vários quadros na história que se tornaram lendários por seus valores suntuosos; valores em que a grande maioria da humanidade sequer conseguem imaginar, ou pelo menos jamais conseguirão adquirir, mesmo com o trabalho de uma vida inteira.
Geralmente arrematados em leilões, eles simplesmente enfeitam a sala, o aposento, ou qualquer outro lugar da casa dos mais abastados. Ou então vão para algum museu, para ali ficarem expostos a admiração das pessoas.
Mas eles não mudam. Serão sempre os mesmos quadros, independentemente do tempo, valor, artista, local de exposição.
Não é assim a vida. Esta magnífica tela está em constante mudança. Que pode ocorrer em milênios ou apenas em um milésimo de segundo.
E o quer falar do seu preço? Quanto vale um quadro da vida? O mais simples dele? Uma mesa do almoço, arroz e feijão feito na hora, e aquela misturinha apetecível? Um abraço de pai ou de mãe, de vô ou avó, uma lambida no rosto do nosso cãozinho de estimação?
Quanto valeria a brisa fresca no rosto, o sol da manhã, o som da chuva no telhado, o sorriso de uma criança, a história de um velho, o afago do grande amor da nossa vida e tantos outros quadros inumeráveis?
E esta tela, ora tão forte, ao mesmo tempo tão frágil, muda tão repentinamente que, ao olharmos uma segunda vez, já poderá estar totalmente modificada.
Cecília Meireles, em seu Leilão de Jardim, nos dá uma pequena amostra da imensidão destes quadros, ao leiloar em rimas jardins com flores, borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos; um caracol, um raio de sol, um lagarto entre o muro e a hera, uma estátua da primavera; leiloa um formigueiro, um sapo jardineiro, a cigarra e sua canção e um grilinho dentro do chão.
Só que neste leilão não arremata quem dá mais. Arremata mais quem consegue compreender que a vida é feita de múltiplos quadros, e que a simplicidade é o dinheiro que movimenta este leilão.