A MOÇA NO CIRCO
Eu vi a moça sozinha no circo e chamou-me a atenção. Porque todos estavam com suas famílias, seus filhos, seus amigos, juntos daqueles que se querem bem.
Enquanto esperava o espetáculo começar tentei entender o motivo de sua solidão.
Será que o moço que dissera ir junto não apareceu e ela foi sozinha mesmo assim? Ou quem sabe já não se engana mais com as insensíveis trapaças do amor que tanto mal trazem e por isso compra seu próprio bilhete sem esperar por convite algum? Talvez considere-se incapaz de conquistar um novo amor e desta forma vive a vida solitária como também somos capazes de viver.
Mas não pareceu triste porque em seu rosto cintilava um brilho recheado de lembranças e a cada atração que se iniciava, ela viajava em suas memórias de infância , leve como a pluma da bailarina por entre os picadeiros do passado, penetrando solerte as lonas imaginárias dos circos que conheceu.
Em suas lembranças ela era feliz. Flutuava entre malabaristas e mágicos com uma visão cristalina de tudo ao seu redor. Gargalhava observando os palhaços que corriam tropeçando uns nos outros. Olhava para o alto e sentia um frio na barriga ao ver os trapezistas em suas manobras arrojadas, nos seus saltos mortais duplos e triplos que pareciam impossíveis de serem concluídos e emocionava-se ao ver a contorcionista dobrar-se e redobrar-se utilizando seu próprio corpo como um elástico que nunca rebenta.
Ela levitava em seus sonhos e vivia a realidade dos seus bons anos de vida
Não, ela não estava só, acompanhavam-na todas as maravilhosas lembranças que puderam existir neste mundo
Sem sair de sua cadeira ela viajava leve e solta para onde quisesse ir, mas sua alma solitária sempre lhe trazia de volta ao centro do picadeiro escutando a música que saia da caixa e embalou sua vida: tá-tá-tá-tá-rá-rá-tá-tá-tá-ta-rá-rá-tá-rá-rá-tá-rá-rá.