VAGAS EMOÇÕES E PENSAMENTOS IMPERFEITOS.
Apressado ele corre, desajeitado na troca rápida de passos, a mochila pendurada nas costas. O ônibus surge ao longe parando no primeiro ponto, 'deve está lotado', balbucia ele - 'como sempre lotado'. O rapaz chegou ofegante no ponto de ônibus, suor escorrendo pela face, era o cansaço acomulado de uma semana inteira de trabalho que apoderava-se de cada centímetro de seus músculos. A vontade era de sumir, voltar para casa, mas ele não podia desistir, não era de desistir.
O ônibus parou, do lado de dentro corpos acotovelando-se, apertando-se; enquanto do lado de fora, outra multidão querendo entrar. É apenas mais um dia - na verdade o segundo da semana. Com muita dificuldade o rapaz entra, espremido no meio do povo, trabalhadores, alunos, jovens, senhoras, mães com crianças. Todo dia é a mesma coisa, é a mesma dificuldade todos os dias, reclamar… Não adianta. Por três vezes o rapaz foi a prefeitura para ver o que resolvia. Lá conversou com um, que o mandou falar com outro, e o outro por sua vez pediu-lhe para conversar com o fulano de tal, que por sua vez enviou-o a falar com o bertano supervisor não sei das quantas, que também direcionou o rapaz ao responsável de outro departamento. E assim foi por toda uma manhã, sem nada resolver, o moço falou com todos naquele dia, por fim, foi como se não tivesse falado com ninguém. Amargas lembranças surgem em seu pensamento, uma revolta incomum corroendo o seu coração, pois ele trocou a tranquilidade de uma fazenda à correria da cidade grande.
Na memória surgiram lembranças, sim… Era do beija-flor, aquele mesmo de seus tempos de mocidade. O rapaz tentou esquecer a sua ave tão magnífica, no entanto, parecia impossível esquecer. Um pouco mais a frente de onde ele está, no aperto incômodo daquele ônibus, alguém chamou-lhe pelo nome para perguntar-lhe as horas. Os cabelos negros formosos e lisos, pareciam com os do beija-flor, a estatura, a pele sedosa, o corpo magro os olhos feiticeiros, a face reluzente, enfim, tudo naquela estranha bela e desconhecida moça lembrava-lhe o beija-flor. O coração ficou confuso, dolorido, enxergando-a em todos os lugares. De repente o ônibus parou, trânsito pesado, buzinas, xingamentos, do lado direito do ônibus uma multidão se aglomerou próximo a dois veículos amassados e atravessados na calçada; era outro acidente. O moço fechou os olhos para não ver os feridos, todos os dias é a mesma coisa, é a mesma coisa todos os anos. O seu desejo era de desaparecer, não só daquela cidade, mas do universo.
O ônibus começou a andar novamente, algumas pessoas já haviam descido, não estava mais tão apertado. Todavia, os pensamentos imperfeitos continua repetitivos, indevidos na formação da imagem do beija-flor. Talvez ele a veja qualquer dia desses em seu castelo de cristal, com sorte, o beija-flor aparecerá para uma rápida visita. Enquanto isso não acontece, vagas emoções e pensamentos imperfeitos.
"O sol surgiu no horizonte, riscando o firmamento com os seus multicoloridos raios. O astro se entregou nos braços das nuvens e ao som harmonioso dos pássaros, enquanto as flores à beira do rio se entregavam ao beija-flor. Os olhos inundados de lágrimas do moço
revelam uma alma atormentada e Torturada pelas lembranças, Lágrimas que se misturavam ao do riacho, o som do seu choro, o cantar de cada pássaro. Como doía-lhe recordar os bons momentos, animadas conversas ao romper da madrugada. Como era amargo recordar o beija-flor o tempo todo, todo o tempo".
O rapaz contou ao beija-flor os seus segredos, os medos, as angústias. Desnudou o coração para ela. Se derramou sem medo na ilusória esperança do amor correspondido... Não restou nada para o rapaz, Somente o tormento da realidade traída, afinal, tudo é uma ilusão na realidade, fantasias desconexas do coração.
O riacho à beira da avenida levou às lágrimas escondidas do rapaz, ele continuava em silêncio rumo ao trabalho, enquanto o ônibus não chegava ao seu destino de toda uma vida, 'vagas emoções e pensamentos imperfeitos".