O CIRCO
Um circo instalou-se em frente à minha janela. Ocupou um terreno baldio que fica nos fundos do prédio onde eu moro.Da sacada do meu apartamento tenho uma bela vista da cidade, graças à esse terreno baldio. Por isso sempre o considerei como algo que se inclui entre as minhas posses, e quando alguma coisa é instalada nele, sinto-me como se tivesse sido desapropriado de algo que era meu. Ninguém me pediu licença para se instalar ali.
O terreno pertence à uma transportadora, que o adquiriu da Prefeitura Municipal. Segundo algumas línguas viperinas, em alguma transação mal explicada entre um antigo prefeito e o dono dessa transportadora. Se isso é verdade, ninguém conseguiu provar até hoje, mas o fato é que essa empresa, que também opera linhas de ônibus municipais, é uma das principais operadoras de transporte público na cidade e uma das maiores transportadoras do país.
Maledicências à parte, ainda bem que o circo não tolhe toda a minha visão. Olho a grande lona armada, os holofotes que iluminam o entorno, a multidão de automóveis estacionados em volta, o vai e vem das pessoas que entram e saem a cada seção, e fico pensando no que acontece dentro do circo. Sempre gostei dos espetáculos circenses. Acho mesmo que ele tem muito a ver com a vida real. Afinal, o que somos nós senão equilibristas dançando em cordas bambas, mágicos fazendo truques para sobreviver, contorcionistas se virando para todos os lados para ganhar a vida, ilusionistas enganando os olhos das pessoas com truques baratos, palhaços tentando arrancar risos de uma platéia...
Coincidência significativa. Na TV ligada vejo que o próximo filme a ser exibido é exatamente “O Circo”, uma ingênua comédia do cinema mudo, com o inigualável Charles Chaplin. Já vi esse filme uma centena de vezes, e toda vez que vejo, ele me arranca risadas, por conta da ternura e da ingenuidade que esse filme me passa. O velho Chaplin é um ponto fora da curva, um Pelé, um limite de magia, arte e competência profissional que provavelmente ninguém nunca conseguirá superar. Parece que a graça e a ingenuidade da vida se foi com ele.
Tenho um consolo. O circo ficará algumas semanas e depois irá embora. O terreno ficará vazio de novo e eu recuperarei o sentimento de que esse espaço me pertence, apenas pelo fato de que ele se incorpora à minha visão da cidade. Por isso, sempre que que alguma coisa, ou alguém, se instala nele, eu me sinto como se tivesse sido vítima de um esbulho possessório. Torço para que ele continue sendo utilizado como espaço para circos e outros eventos e nunca se construa nele espigões como este em que eu moro, para tolher a minha vista da cidade. Ou então, quando isso acontecer, que eu não tenha mais olhos para ver nem coração para sentir. Que eu esteja morto para todos os universos, como dizia o Fernando Pessoa. Como, neste momento, já me sinto morto para o universo da ingenuidade e da confiança que eu gostaria de ter nas pessoas.
Será que houve mesmo mutreta na aquisição desse terreno por parte da tal transportadora?
Um circo instalou-se em frente à minha janela. Ocupou um terreno baldio que fica nos fundos do prédio onde eu moro.Da sacada do meu apartamento tenho uma bela vista da cidade, graças à esse terreno baldio. Por isso sempre o considerei como algo que se inclui entre as minhas posses, e quando alguma coisa é instalada nele, sinto-me como se tivesse sido desapropriado de algo que era meu. Ninguém me pediu licença para se instalar ali.
O terreno pertence à uma transportadora, que o adquiriu da Prefeitura Municipal. Segundo algumas línguas viperinas, em alguma transação mal explicada entre um antigo prefeito e o dono dessa transportadora. Se isso é verdade, ninguém conseguiu provar até hoje, mas o fato é que essa empresa, que também opera linhas de ônibus municipais, é uma das principais operadoras de transporte público na cidade e uma das maiores transportadoras do país.
Maledicências à parte, ainda bem que o circo não tolhe toda a minha visão. Olho a grande lona armada, os holofotes que iluminam o entorno, a multidão de automóveis estacionados em volta, o vai e vem das pessoas que entram e saem a cada seção, e fico pensando no que acontece dentro do circo. Sempre gostei dos espetáculos circenses. Acho mesmo que ele tem muito a ver com a vida real. Afinal, o que somos nós senão equilibristas dançando em cordas bambas, mágicos fazendo truques para sobreviver, contorcionistas se virando para todos os lados para ganhar a vida, ilusionistas enganando os olhos das pessoas com truques baratos, palhaços tentando arrancar risos de uma platéia...
Coincidência significativa. Na TV ligada vejo que o próximo filme a ser exibido é exatamente “O Circo”, uma ingênua comédia do cinema mudo, com o inigualável Charles Chaplin. Já vi esse filme uma centena de vezes, e toda vez que vejo, ele me arranca risadas, por conta da ternura e da ingenuidade que esse filme me passa. O velho Chaplin é um ponto fora da curva, um Pelé, um limite de magia, arte e competência profissional que provavelmente ninguém nunca conseguirá superar. Parece que a graça e a ingenuidade da vida se foi com ele.
Tenho um consolo. O circo ficará algumas semanas e depois irá embora. O terreno ficará vazio de novo e eu recuperarei o sentimento de que esse espaço me pertence, apenas pelo fato de que ele se incorpora à minha visão da cidade. Por isso, sempre que que alguma coisa, ou alguém, se instala nele, eu me sinto como se tivesse sido vítima de um esbulho possessório. Torço para que ele continue sendo utilizado como espaço para circos e outros eventos e nunca se construa nele espigões como este em que eu moro, para tolher a minha vista da cidade. Ou então, quando isso acontecer, que eu não tenha mais olhos para ver nem coração para sentir. Que eu esteja morto para todos os universos, como dizia o Fernando Pessoa. Como, neste momento, já me sinto morto para o universo da ingenuidade e da confiança que eu gostaria de ter nas pessoas.
Será que houve mesmo mutreta na aquisição desse terreno por parte da tal transportadora?