As Três Fronteiras - A "muvuca" do Paraguai

Estou vivendo e trabalhando em Ciudad del Este, Paraguai, há um ano e meio. Nesse meio tempo, tive a oportunidade de conhecer muito mais desta cidade e deste país que a maioria dos brasileiros, quase todos vindo aqui exclusivamente para fazer as tradicionais compras na "muvuca" do centro da cidade. Sim, porque Ciudad del Este não é só a "muvuca".

O Paraguai não é só a "muvuca". A "muvuca" é precisamente o centro de Ciudad del Este, é o lugar que os sacoleiros bem conhecem e chamam de "Paraguai". Por isso, quando digo a alguém que moro aqui, a primeira pergunta é: como é que você agüenta? Ainda bem que a cidade nem o pais são só isso aqui, esse enorme, confuso, caótico e nem sempre confiável centro de compras. Da próxima vez, vamos falar sobre o Paraguai além da "muvuca". Tem muita coisa interessante.

Desta vez, vamos passear por aqui, para que aqueles que não conhecem tenham uma idéia do que é, se é que vocês não estão com pressa e são suficientemente curiosos e corajosos para sair passeando por ai. E os que já conhecem matem um pouquinho as saudades, se é que tem jeito de ter saudade.

Então, eis ai a "muvuca". É o trecho da cidade que começa imediatamente após a Ponte da Amizade, pois mesmo em pleno terreno da Aduana paraguaia já se nota o enorme movimento de camelôs oferecendo de tudo aos motoristas e às pessoas que cruzam a pé, entrando no Paraguai ou indo em direção ao Brasil. Ali, que, em tese, seria apenas um ponto de passagem e controle, já se vende de tudo quanto é badulaque e se oferece comida e bebida aos que chegam para comprar e aos que voltam, carregados de sacolas.

Aqui começa o território de um caótico trânsito sem lei, mototaxistas e taxistas imprudentes, de camelôs nos perseguindo, querendo vender a todo custo de um a tudo. Assim que se passa a Aduana, abrem-se as cortinas e o palco é um enorme mercado persa, cujo cenário é composto de edifícios mal cuidados, ruas sujas, camelôs insistentes e cambistas trocando dinheiro pra você no meio da rua..

Se você estiver com pressa, é melhor não parar, porque um rabo de olho para o que nos oferecem pode ser interpretado como um sinal verde para uma demonstração do vendedor. Isso vai lhe custar uma perseguição pela rua. Por exemplo, ai vem o vendedor de perfume, com a sacola cheia de produtos, segundo ele... originais! Se não vai comprar, não olhe. Se olhar, ele vai atrás de você, pressionando, sem parar de falar um segundo, diferentes sprays de perfume no seu rosto, na sua mão, no seu pescoço, na sua roupa, tentando te empurrar o produto goela abaixo. Pronto, você virou um palimpsesto de odores, um caleidoscópio de cheiros. Como é que você vai explicar em casa pra alguém que não conhece o território?

Mas se há o especialista, que só carrega perfumes, há também o vendedor de um a tudo. Ele te estuda, olha a sua cara, vai te seguindo, oferecendo, enquanto você caminha, de palheta de limpador de pára-brisa a novidades como prótese de nariz com bigode, sobrancelhas móveis e óculos pra você assustar os sobrinhos, passando por camisinhas musicais. Esse vendedor já é aquele "mil e uma utilidades" ou tipo "fazemos qualquer negócio".

Bom, já viu que o melhor é fugir da rua, você não vai ter sossego, já te descobriram aqui, sabem que você é brasileiro, é de fora, melhor mesmo é escapulir. Vamos entrar numa galeria, onde há muitas lojas, todas com ar-condicionado. Se é verão, vamos fugir também do calor úmido-sufocante da rua. E vamos antes de chover, porque, chovendo, duvido que você consiga manter branquinho esse tênis novo e a barra das calças limpas. É que a água corre livre pelo asfalto emporcalhado, vira dois rios à beira dos meios-fios, não há bueiro,

se continuar chovendo – você vai ver - é impossível atravessar a rua sem se lambuzar. E se for inverno, junho, julho ou agosto, melhor entrar também numa loja, pois o frio vento úmido penetra os ossos. Lá dentro, tem ar quente.

Outro capítulo da "muvuca" são as construções. Se você vai só comprar, mesmo sem ser muito observador, vai ver que são uma loucura arquitetônica as construções em Ciudad dei Este. Vamos ver? Em que loja você quer entrar primeiro? Que confusão. Cuidado com os passeios. Para acompanhar a elevação das ruas, se afastando das margens do rio Paraná, existem muitos degraus. Cuidado, olhe bem para o chão, não se distraia com as vitrinas e o falatório de vendedores e vendedoras. Você pode pisar em falso e torcer o tornozelo. Vamos ficar só nisso. Nada de tragédias.

Realmente, não é agradável olhar para esse aglomerado de edificios mal conservados, de mal gosto, demonstrando a pressa com que foram feitos para servir simplesmente de depósito de mercadorias, desrespeitando a estética e a simetria urbana. E a poluição visual? As placas, os letreiros, os cartazes, uma batalha para se mostrarem aos compristas. E quanto à poluição sonora, o alarido dos vendedores combinado com as buzinas estressadas de motoristas impacientes. tipo de lojas, desde as mais suspeitas, onde você já entra com uma enorme probabilidade de cair na lábia do vendedor e comprar gato por lebre, até uma loja do porte da famosa e luxuosíssima Monalisa, com artigos de primeira, garantidos e tudo mais, porém com preços de primeiro mundo. Comprar lá é só pra quem mesmo muita grana ou quem quer se exibir. Na "muvuca" há mais lojas confiáveis, onde não vão te arrancar o couro, espalhadas pelas ruas centrais, pelas galerias e labirintos formados pelos becos entre as ruas principais.

(Ciudad del Este, setembro de 2001)

William Santiago
Enviado por William Santiago em 20/02/2019
Reeditado em 18/10/2020
Código do texto: T6579800
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