SOMOS O OUTRO...

Nossa vida inicia-se na completa dependência de ser o que outras pessoas desejam que sejamos. Em todos os sentidos. Nossos desejos devem adequar-se a desejos alheios. Portanto, começamos nossa vida já nos alienando de tudo que potencialmente trazemos da natureza. Nossos traços caráter, personalidade(s), podem até ser e permanecer nossos, mas para tanto, precisam ser validados por outros. Até para nascer necessário se faz que outros desejam que nascemos. Por decisão ou descuido, nascemos a partir de ‘movimentos’ dos outros.

Inicialmente esta dependência é vital e naturalizada – é assim que é e deve ser. Na medida em que continuamos em relação aceitando a incorporação dos desejos alheios sem configurar nossa própria personalidade e identidade, construímos um processo de alienação. Alienar, aqui, pretende conotar desligado, desconectado, alheio. Consciente ou inconscientemente, dimensão necessária. Todos continuam vida afora alienados de algo ou de muitos ‘algos’. É como ignorar. Sempre ignoramos algo. Portanto, somos ao mesmo tempo sabedores e ignorantes. Quando sei, sei; quando não sei, ignoro. Mas, como sempre, e em tudo, outros sentidos e significados são possíveis.

Ainda em relação ao outro: como posso saber que posso ser ‘EU’ sem identificar a aprovação do outro acerca desse meu ‘EU’? Não há como saber sem entrar em contato com a alteridade. Eu sempre preciso de um ‘outro’ para permanecer ‘EU’ ou para mudar. As mudanças ocorrem por meio de confrontamentos e enfrentamentos. As permanências também. Ao nos idealizarmos procuramos mostrar o que desejamos ser. No confronto ou na inter-relação (termo mais agradável) percebemos aceitação ou negação. Então, mudamos ou permanecemos. Uma coisa é certa: precisamos nos adaptar. Se a alteridade me aceita como me apresento posso refletir sobre possibilidades de me subjetivar com algo próprio, ainda que não totalmente só meu. Nunca somos nós, em absoluto.

Então podemos perguntar: há a possibilidade de ser eu? Considerando as respostas em aberto, sim e não. Ser eu é uma subjetivação de uma objetividade por meio da intersubjetividade. (?). Há um mundo interior e um mundo exterior. Subjetividade e objetividade. O que eu penso, faço-o a partir do contato com o que alguém ou muitos pensam. Minha configuração interior é fruto do que outros pensam ou pensaram. É a objetividade. Mas para que minha subjetividade, personalidade adquira forma preciso me relacionar com a alteridade (os outros). É a intersubjetividade. É a relação que ‘diz’ quem sou e quem é o outro. Assim, há três realidades. Não duas. Objetividade, subjetividade e intersubjetividade. Conhecimento é interação.

Mesmo que o que penso já está posto no mundo objetivo, na realidade externa, sempre será configurado de uma forma peculiar. Nunca será exatamente como outros o pensam. É o mundo singular. Ainda assim não será nosso em absoluto porque depende de outros. Somente assim podemos refletir sobre a possibilidade de ser ‘EU’ com características próprias, únicas e pessoais.

Portanto: sou eu, mas não sou eu. Sou você.

Freud explica... ou não!