Vozinha ladina (repost)
Vó parece um bibelô, enfeita e encanta. Vó é igual saudade, a gente tem mais de uma, mas uma é sempre mais presente. Minha vó Auta era pequenina como qualquer vó que se preze, durinha, pedra de dar em doido. Vó Auta não aceitava andar de mãos dadas com ninguém e ai de quem insistisse. Ela desencarnou no dia do seu aniversário de oitenta e muitos anos , depois de chegar do cabeleireiro, laquê nos cabelos prateados, unhas pintadas, rosto rosado de pintura; sentada no sofá, vendo televisão. Nem percebeu que era o the end da sua própria novela. Vó Maria, mãe da minha mãe também não era de muito brincar, mas aceitava de bom grado uma ajudinha para ir da casa de uma filha para outra, algumas ruas apenas de distância. Eu sempre era escolhido pra ser a bengala, pois não ficava puxando a velhinha pra ela andar mais rápido e ainda a ajudava a catar cocô seco de cavalo que ela colocava nas plantinhas que cultivava. Vó Maria tinha um humor irônico, sagaz, daqueles que se a gente perde uma vírgula perde tudo. Rezadeira de mão cheia, tirava mal-olhado, secava bicheira, curava espinhela caída, unha encravada, e quebranto. Lembro de um dia em que resolvi fugir de casa. Vó Maria só olhando eu embrulhar meus trecos em jornal, sem dizer nada, só olhando e rindo. Quando coloquei a trouxa mal arrumada debaixo do braço ela perguntou se antes de ir embora eu podia pegar um pato no quintal, que ela queria fazer um pato com batatas pra janta Covardia, ela sabia que eu adorava pato com batatas. Larguei a trouxa e fui pegar o pato. Alguém já correu atrás de pato? É duro de pegar o bicho. E nesse corre daqui e cerca Dali o tempo foi passando e minha mãe chegou do trabalho. E eu a vi, ao lado da minha vó Maria, sorrindo. Até hoje não sei se foi sorrindo pra mim ou sorrindo de mim, mas desconfio que fosse a segunda. Quando enfim consegui pegar o pato já tinha esquecido que ia fugir de casa. Vó é o bichinho mais sabido que existe nesse mundo.