Paulo Soares: médico, amigo e vaqueiro
Edite estava inconformada porque enterraram o inefável Paulo Soares: “Não sei porque viver para, no final, ser enterrado”. Mesmo assim, retrucava Gonzaga: “Contudo, viver é muito bom”. Sobrou-me perguntar como viver sem, fatalmente, caminhar para tal inevitável desfecho, pois a morte finaliza o que tem vida; quem nasce, com certeza, morrerá, mas só há felicidade, quando se vive. Ou é impossível ser feliz sem ter nascido. A vida é uma experiência de luta pela sobrevivência, numa crescente vontade de prolongar, cada vez mais, a existência; e existir é possibilitar a experiência da felicidade.
Assim viveu Paulo e nesse sentido, dedicou-se a proteger a fragilidade das crianças, com as quais aprendeu a simplicidade, desde seus primeiros passos, inclusive nos momentos de queda e de dor, restituindo-lhes seus sorrisos, também às mães, aos pais e a ele próprio. Paulinho Soares era um fazedor de sorrisos, ao iniciar pela largueza da sua bondade, seguida pelas suas palavras: alegres, críticas, divertidas e, sobre qualquer assunto, certeiras como eram suas receitas. Não posso beatificá-lo, mas, em caso de aflição, chame-se Paulo e ele acudirá com sua diligente presteza.
Quando nos descrevia a seca na sua fazenda, para as bandas do sertão, terras da sua origem, nenhum bezerro, nenhum pinto, nenhum cabrito passava sede; parecia ser também pediatra daqueles pequenos bichos. Amava aboiar os bois e chamar pelo nome as vacas leiteiras. Eu achava bonito Paulo Soares vestir, por cima da roupa branca de médico, a pesada veste de couro de vaqueiro, paramento ritualístico do aboio que, agora, continuará sendo cantado noutros sertões, noutras veredas. Ao conversar com amigos num bar, Paulo fazia uma terapia grupal, ninguém dispensava sua presença. Agora, sozinhos, esses amigos, falam na escuridão, noite a dentro, esperando escutar da sua alma suas gargalhadas, suas respostas, sem lamentar a demora do amanhecer.